Minas Gerais

Conquista

Em caso raro, Palmeira Macaúba se torna patrimônio cultural natural de Santa Luzia (MG)

Moradores e autoridades unem esforços para proteger as árvores, símbolos históricos da região

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Reprodução - FIP Ital

Depois de uma forte mobilização popular promovida pela sociedade civil de Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), junto à Secretaria Municipal de Cultura e Turismo e pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), a histórica palmeira macaúba foi reconhecida por unanimidade, pelo Conselho Municipal do Patrimônio Cultural (COMPAC), como patrimônio cultural natural do município.

A ação ocorreu por meio de um requerimento de socialização de abertura de processo de tombamento, em meio a uma reunião movimentada, no último dia 13 de junho, na sede do conselho.

Glaucon Durães, doutorando em Ciências Sociais, membro do Movimento Salve Santa Luzia e membro do COMPAC, afirma que houve um reconhecimento, por parte dos conselheiros, devido à importância da macaúba para  história, memória, identidade, paisagem cultural e modos de vida do povo luziense.

“Esse é um caso raro. Houve um clamor popular durante a reunião e não houve ninguém contrário. Foi um caso interessantíssimo, a gente não esperava que o sucesso fosse tão grande assim. Isso representa a relevância que a palmeira macaúba tem para cidade de Santa Luzia”, avalia.

Maria Geralda, moradora do quilombo Pinhões, localizado na zona rural de Santa Luzia, conta que a palmeira macaúba tem uma importância histórica para a comunidade. Segundo ela, desde os anos 1810, aproximadamente, seus antepassados escravizados usavam de forma sustentável toda a palmeira, do tronco ao fruto.

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“A macaúba foi meio de sobrevivência para a comunidade. O fruto dela, o coco, era cortado e colocado na prensa para tirar o azeite amarelo, que se fazia sabão. Também se fazia azeite para quitanda, para cozinhar, e servia para tratar as criações com o guento. A madeira da palmeira era usada na fabricação de telhado e até mesmo para fazer casa de pau a pique”, detalha a quilombola.

A moradora diz ainda que a polpa do fruto da macaúba ajudou as pessoas a não passar fome na época, mas lamenta que algumas árvores estão sendo suprimidas e queimadas em alguns pontos da cidade. Esse fato, no entanto, não a deixa menos esperançosa com o tombamento da espécie. 

“Fomos criados comendo esse coquinho que caía delas, nós temos muito respeito pela palmeira. A região é rica dessa árvore, por isso é merecido que a macaúba se torne um patrimônio”, pondera.

Como anda o processo?

O advogado Alexandre Gonzaga explica que o processo está em fase inicial, contudo, em razão da legislação municipal, que regulamenta a atuação do COMPAC, a espécie se torna sujeito de direito patrimonial.

“Uma vez iniciado o procedimento já há proteção legal em relação à espécie da palmeira macaúba. O tombamento é dos instrumentos jurídicos que formalizam a proteção e automaticamente o reconhecimento de valor patrimonial cultural”, explica.

Gonzaga lembra que esse processo de tombamento tem uma característica diferente, pois o reconhecimento como patrimônio cultural se dá por uma perspectiva de paisagismo, ou seja, vai além da espécie arbórea.

Nas próximas etapas, a Secretaria Municipal de Cultura será o órgão responsável por avaliar, de forma técnica, o requerimento. Após o processo, o tombamento da palmeira macaúba será efetivamente formalizado.

Riscos e especulação

Um mega empreendimento denominado “Cidade Jardim” ameaça destruir uma área verde no centro histórico de Santa Luzia. Como já foi mostrado pelo Brasil de Fato MG, moradores denunciam que, se o projeto for aprovado, a área, que possui o equivalente a 70 campos de futebol, terá mais de 2500 árvores suprimidas, incluindo as palmeiras macaúbas.

“A gente tem notícias de incêndios em regiões de Santa Luzia, em terrenos com a presença de muitas palmeiras macaúbas. Um exemplo é a fazenda Vicente Araújo, que tem dezenas de pés de macaúba, e a cada incêndio morre uma palmeira. Esse terreno é alvo do projeto ‘Cidade Jardim’”, conta Durães.

O cientista social diz que a aprovação do projeto poderá impactar negativamente o centro histórico de Santa Luzia e a parte baixa da cidade, onde há diversos bens tombados e inventariados pelo patrimônio cultural. Ele pondera que algumas comunidades vulneráveis também serão prejudicadas, como a do bairro Pantanal, o quilombo de Pinhões e o Convento de Macaúbas.

Alexandre Gonzaga explica que, em eventuais casos de deteriorar e inutilizar a espécie legalmente protegida, isso pode acarretar em sanções e autuações às empresas.

“No âmbito ambiental, a supressão de espécie arbórea sem autorização é por si uma infração. E isso pode ser determinante para evitar a concessão definitiva da licença de operação para o empreendimento”, esclarece.

A história

A espécie arbórea é conhecida cientificamente como Acrocomia Aculeata e existe em várias regiões do Brasil. A palmeira também assume outros nomes, como macaúva, coco-de-catarro, bacaiúva, bacaiuveira, coco-de-espinho, coco-baboso, entre outros.

A Macaúba está intimamente ligada à história de Santa Luzia. Nos relatos de Georg Langsdorff, expedicionário e naturalista que realizou uma das mais importantes incursões científicas no Brasil no século XIX, dizia que da Macaúba era extraído um óleo usado para produzir sabão. E dessa produção, Santa Luzia se beneficiou durante algum tempo. A primeira indústria do município foi uma fábrica de sabão, instalada nos primórdios do século XX.

 

Edição: Lucas Wilker