Minas Gerais

IMPACTOS

Câmara Municipal de Catas Altas rejeita projeto que visa proteger a Serra do Caraça

Decisão contrária ao desejo popular coloca em risco área verde afetada por queimadas e pela mineração

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Há nove dias a Serra do Caraça enfrenta uma onda de incêndios - Foto: Divulgação RPPN Santuário do Caraça

A proposta de instituir a Unidade de Conservação Monumento Natural Municipal da Serra do Caraça foi rejeitada pela Câmara Municipal de Catas Altas, com seis votos contrários contra dois favoráveis. A decisão, que vai na contramão do desejo popular, representa um ponto crítico na política ambiental do município, na avaliação de ambientalistas.

O projeto de lei (PL) 771/2021, de iniciativa popular e proposto pelo vereador Diego Luiz, tinha como objetivo proteger sítios arqueológicos, conservar recursos hídricos e preservar a fauna e a flora locais, além de promover o turismo e o lazer na região. A tramitação da proposta ocorreu em julho deste ano, culminando na sua rejeição.

Luiz Paulo Siqueira, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), destacou os riscos da decisão. 

“Os impactos são os piores possíveis, há vários projetos de mineração por toda a Serra do Caraça. O PL 771 iria restringir a mineração, ampliar as condições de conservação e, ao mesmo tempo, estimular a diversificação econômica”, comenta.

“Se os empreendimentos de mineração pretendidos se instalarem, teremos impactos irreversíveis à serra, desconfigurando toda a paisagem, acabando com a biodiversidade, prejudicando a saúde, com o aumento da emissão de poeira de minério, e destruindo os mananciais hídricos que abastecem a cidade”, continua Luiz Paulo.

Incêndios em área de interesse da Vale

Atualmente, a Serra do Caraça enfrenta uma onda de incêndios. Segundo os moradores, algumas das áreas atingidas são de interesse da Vale. O vereador Diego Luiz levanta suspeitas sobre a origem das queimadas. 

“Os incêndios têm começado próximos da serra [Caraça] e as áreas são de interesse da Vale, que já tem os estudos para começar as atividades e todos os licenciamentos na Agência Nacional de Mineração (ANM)”, suspeita.

O parlamentar também destacou a omissão da mineradora no combate ao fogo, que aflige a região há pelo menos nove dias ininterruptos. Karla Jardim, guia de turismo na região, também expressou preocupações. 

“Os incêndios tem ocorrido nas áreas de interesse da Vale, que quer expandir a mina do Fazendão, que poderá chegar até as minas almas e tamanduá, onde ocorre a captação de água da população. Corremos o risco de ficar sem água, caso essa área realmente seja minerada”, conta.

Impactos ao ecoturismo

Karla já começou a sentir os impactos financeiros da situação. “O prejuízo pode durar por muito tempo, pois, mesmo que as queimadas cessem, a natureza ainda vai demorar para se recuperar”. 

Ela alerta para a extinção de plantas da flora local. 

“Temos várias plantas endêmicas, que só ocorrem em locais específicos da serra, onde o fogo já queimou tudo. Os prejuízos ambientais são imensuráveis. É uma grande tristeza, para nós que trabalhamos com ecoturismo”, lamenta.

Reuniões com a Vale

Durante a tramitação do projeto de lei rejeitado, segundo Diego, representantes da Vale se reuniram com os vereadores.

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 “Eu posso afirmar que fui chantageado. A chantagem era ‘se vocês [vereadores] passarem [o Projeto de Lei], a gente fecha essa mina que está em funcionamento, a arrecadação vai cair e vai gerar desemprego’. Comigo, o nível de chantagem era nesse sentido. Só que eu não posso dizer o teor do assunto com os demais vereadores”, revela. 

No caso, a mina que foi mencionada durante a reunião com o vereador Diego é a de São Luiz. A Vale atualmente opera a estrutura, pertencente ao Complexo Fazendão, que fica ao pé da Serra do Caraça, próximo ao distrito do Morro D’água Quente, entre os municípios de Catas Altas e Mariana.

MPF envia ofícios

No dia 31 de julho deste ano, o Ministério Público Federal (MPF) encaminhou um ofício para a Câmara de Vereadores de Catas Altas, solicitando o resultado da votação do PL. Diego acredita que o MPF deu início a uma investigação, visto que o projeto foi discutido com o povo da cidade e possui estudos robustos mostrando a importância da preservação da serra. 

“Eu acredito que possa ser sim uma investigação. Porque, antes dessa gestão, o governo federal tinha mandado verba para a criação da unidade de conservação, mas esse valor sumiu. A gestão passada iniciou o processo de criação da unidade de conservação, mas o poder executivo atual barrou o projeto”, explica.

Na última quarta-feira (18), o MPF encaminhou mais um ofício, requisitando estudos que fundamentaram o PL.

O Brasil de Fato MG entrou em contato com o MPF, perguntou se o órgão investiga a situação e aguarda respostas.

O outro lado

A reportagem também procurou a Vale para comentar sobre as denúncias. Não obtivemos o posicionamento da mineradora, até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto para manifestações. 

Edição: Ana Carolina Vasconcelos