Minas Gerais

Direito

“A Samarco pode tentar comprar a gente, mas eu quero os assassinos atrás das grades”

Mulher de Bento Rodrigues atingida pela Samarco (Vale e BHP Billiton) ainda não tem uma casa para morar

Belo Horizonte |
Priscila Monteiro e seu filho foram arrastados pela lama da Samarco. Ela reclama de desrespeito e descaso da empresa
Priscila Monteiro e seu filho foram arrastados pela lama da Samarco. Ela reclama de desrespeito e descaso da empresa - Arquivo Pessoal

Cinco de novembro devia ser apenas o dia do aniversário de Priscila Monteiro Izabel, moradora de Bento Rodrigues. A data, porém, ficará marcada para sempre pelo rompimento da barragem de Fundão. Fruto da busca capitalista pelo lucro a qualquer custo, o maior crime ambiental da história do Brasil matou dezenas de seres humanos, uma enorme bacia hidrográfica e inúmeros projetos de vida. No meio da lama criminosa da Samarco (Vale e BHP Billiton), arrastada por quilômetros até ser salva pela solidariedade dos vizinhos, Priscila perdeu a sobrinha e sofreu um aborto. Perdeu também a casa, que até hoje não foi restituída pelos responsáveis pela tragédia. Na semana em que o desastre completa oito meses, ela conversou com o Brasil de Fato MG. Para Priscila, a Justiça brasileira ainda não cumpriu seu papel na reparação do crime. 
Desastre e perda do filho
Eu estava grávida de três para quatro meses. No dia 5 de novembro, quando tudo aconteceu, era o meu aniversário. Eu tinha ido ao médico e ele disse que, de presente, eu ia fazer o ultrassom na sexta-feira, dia 6, porque eu estava ansiosa para ver o meu bebê. 
Na quinta, a barragem estourou. Ninguém lá em Bento sabia de nada. A lama veio e pegou a gente. Eu estava com meu filho de dois anos, meu irmão, dois sobrinhos e a minha sobrinha pequena, que morreu na lama. Nós fomos arrastados por 4 km. Meu irmão perdeu a filha e ainda ficou muito machucado, com uma sequela na perna até hoje, tendo que usar uma chapa de ferro. O meu filho pequeno foi jogado longe, mas os moradores de Bento o salvaram.
Com a força da lama, eu senti meu filho saindo da minha barriga e sofri um aborto. Essa foi a única dor que eu senti, o meu filho saindo de mim. Nem pensei que estivesse machucada no meu corpo todo, mas a perda do meu bebê doeu naquela hora e dói até hoje. 
Gravidez e postura da Samarco
Meu filho não era apenas um feto, era uma criança. Mas, quando a Samarco veio falar sobre indenização, disse que eu não tinha direito pelo meu filho, porque ele não era ‘nascido vivo’. Vivo ele estava, mas a Samarco o matou. 
Queriam provas de que eu estava grávida. Eu tinha exame de sangue, mas fui ao meu médico pedir um laudo porque a Samarco estava duvidando. Mas mesmo com o laudo eles disseram que eu não tinha direito. A Samarco desconsiderou a minha gravidez, chegou a dizer que era ‘psicológica’, tratou meu filho como se fosse lixo. Eu disse para eles: ‘Tenho dó da mãe de vocês, porque vocês só amam o dinheiro’. Se eles tivessem um pouco de amor ao ser humano, talvez eu tivesse meu filho nos braços. 
Um lar para viver com liberdade
Na minha casa, em Bento, tinha terreiro, que era espaçoso, onde meu filho gostava de ficar. Ele brincava na rua, que era tranquila. Na casa que a Samarco alugou, em Mariana, não tem espaço e a gente não tem liberdade para nada. Meus parentes não podem ir lá, porque reclamam quando conversamos. Meu filho fica dentro de casa o tempo todo, não tem lugar para brincar.  
Antes, a gente foi para uma casa que tinha problemas com tráfico de drogas no local. Nós reclamamos e eles nos passaram para a casa onde estou morando. Quando trouxeram a gente para olhar, a casa tinha sido pintada e não dava pra ver as marcas de mofo. Agora, a casa é úmida e fria, está mofando e o mofo fede. Meu filho e eu temos rinite alérgica. À noite, é difícil até respirar.
Eu reclamo, mas eles não querem trocar, dizem que não tem casa padrão pra mim e que vamos ficar em casa alugada até construir o novo Bento. Parece que o prazo é de três anos, mas já faz quase um ano e, até agora, não tem nada. Eu quero muito uma casa onde a gente tenha liberdade, com terreiro para o meu filho brincar. 
Não esquecer nunca, lutar por justiça
Depois do desastre, fiquei uma semana no Hospital João XXIII, em BH, e uma semana em Mariana. Nesse tempo, minha sogra levou meu filho pequeno à psicóloga, que atendia pela Samarco. A psicóloga falou que não tinha jeito de tratar o meu filho e que, com o tempo, ele ia esquecer o que aconteceu. 
Como assim esquecer? Eu não vou deixar meu filho esquecer isso nunca. Quando a lama o jogou longe, o pessoal do resgate ia deixá-lo morrer porque ‘não tinha jeito’. Foram os moradores de Bento que se arriscaram, fizeram uma corrente humana e o salvaram da lama. Isso não pode ser esquecido.   
E o meu filho que morreu não pode ser esquecido na história, não deixem ele ser esquecido! A Samarco pode tentar comprar a gente, mas eu quero os assassinos atrás das grades. A obrigação da Justiça brasileira era já ter feito isso, desde quando aconteceu a tragédia. 
Eu sei que o dinheiro não vai trazer meu filho de volta, mas a Samarco vai ter que arcar com as consequências desse crime. E, se eu puder ajudar a fazer justiça com as minhas palavras, ficarei feliz em ver um por um dos responsáveis na cadeia.
 

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