Algumas palavras, de tão ditas, parece que vão ficando gastas, vazias e até sem sentido. Isso vale também para ideias, conceitos e julgamentos, que vão se repetindo tanto que parece que viram verdade pela exaustão.
Um exemplo: a meritocracia. É uma ideia tão antiga que parece que já nasceu pronta, mas de onde será que ela vem? Essa concepção de que é preciso merecer, trabalhar muito, estudar muito, ralar muito para ter o mínimo para viver – casa, comida, educação, saúde, respeito - está presente em todo canto.
Outra ainda: homens e mulheres são muito diferentes para terem vivências iguais. Desde criança, para as meninas é oferecido um tipo de brincadeira, um tom de cor, um espaço. Para os meninos, outros. Algumas frases cumprem esse papel de chiclete que gruda de geração em geração: “comporte-se como uma menina” ou “ele pode, ele é homem”.
Mas, em contextos como o atual, em que os clichês não dão conta da complexidade da vida e a experiência muitas vezes contradiz o senso comum, vale o exercício de olhar de perto as palavras e ideias que moldam a sociedade. Olhar para cada um desses “pensamentos-chiclete” e perguntar de onde vêm, para que servem, será que são verdade mesmo?
“Repetir até ficar diferente”
Poetas sabem mudar as palavras. Um deles, o sábio Manoel de Barros, escreveu: “repetir, repetir, até ficar diferente”.
A meritocracia. Quem disse que o “sucesso é fruto do esforço”? Se quem mais trabalha muitas vezes não tem nem o mínimo? Talvez não seja questão de mérito, mas de nascimento. Quem já nasce com “mérito” tudo consegue. Quem não nasce rico, batalha infinitas vezes mais.
Meninos e meninas têm suas especificidades e isso é bom. Mas justificar diferenças salariais, de jornada de trabalho e de responsabilidade sobre a casa e os cuidados a partir disso já é um pulo muito grande, não parece? Quem foi que disse mesmo que existe um lugar pra um e outro pra outra?
Novas palavras
Se podemos perguntar a origem das ideias e das palavras, podemos também criar novas e mudar o sentido de antigas.
Se eles dizem crise, nós podemos devolver e dizer que essa crise é deles.
Se nos mandam trabalhar mais, podemos exigir participar da decisão das coisas.
Se nos retiram direitos, vamos para as ruas conquistar outros mais.
Se dizem que política não é coisa de trabalhador, dizemos que não nos enganam mais com velhas palavras.
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