A imprensa no Brasil sustenta ideologias e projetos de poder contra o povo
Das várias análises possíveis sobre os impasses da democracia no Brasil, duas situações merecem atenção destacada por parte da esquerda: o fracasso na guerra da informação e o vácuo da formação política. O avanço das gestões populares, com seus ganhos inegáveis, ficou soterrado pela falta de empenho em transformar a realidade material em matéria simbólica. Talvez alimentada pela crença da inclusão pelo consumo, a esquerda deixou de ocupar o território fundamental da educação política. Confiante no poder de convencer pela propaganda e pela abertura dos cofres aos setores tradicionais da mídia, não fez a reforma necessária no setor. Perdeu na ideologia e foi derrotada na comunicação.
É importante ir à raiz desses descaminhos, até mesmo para reverter seu rumo. No campo da política, a esquerda deixou de lado suas alianças históricas com as bases para jogar o corrompido jogo do poder. Distante de seu ar mais verdadeiro, passou a agir como sempre agiram seus adversários. A valorização do arremedo de democracia feita por cima levou a perder o interesse em formar valores políticos em uma geração que despertava para a cidadania. Assim, em vez fortalecer suas alianças mais próximas, dando sentido de pertencimento e participação às políticas públicas populares, apostou na ideia desmobilizadora de estabelecer relações de consumo onde deveriam surgir pactos de cidadania.
Três governos populares, muitas conquistas sociais e pouca politização. A conta que não fecha deixa como tarefa a necessidade de retomar os caminhos trilhados pelos partidos populares no Brasil a partir dos anos 1980: formação política, valorização da militância, fortalecimento dos sindicatos, animação das bases, educação para a práxis política, crítica do consumismo, estímulo ao debate, defesa das instâncias de democracia direta e participação popular. O Brasil, hoje, é menos politizado e mais dividido. Há muita vociferação e pouco diálogo. A perda de potencial político enfraquece não apenas a esquerda – que perdeu uma oportunidade histórica – mas a própria democracia.
No campo da comunicação social, o histórico monopólio brasileiro, com sua clara função de cimentar ideologicamente os interesses do capital, deixou de ser criticado para ser considerado alvo de cooptação. A imprensa no Brasil, com seus cães de guarda de sempre, manteve sua posição antipopular e elitista, articulou contra os interesses do país, se aliou ao setor financeiro e ajudou a compor o caldo de cultura necessário para o fortalecimento do golpe contra as instituições. Sem falar na perda de consistência propriamente jornalística, no papel determinado de desinformar e de impedir a emergência de uma narrativa plural. A imprensa no Brasil mente, fortalece ideologias e sustenta projetos de poder contra o povo.
A resposta, contudo, em vez de avançar para uma democratização real do setor, como em todos os países civilizados, foi de covardia e regressividade. Evitou-se a regulação, atrasou-se a constituição de uma informação pública de qualidade, nutriu-se o monstro com aquilo que mais o fortalece: o temor e a grana. Não é um acaso que a imprensa brasileira, com todo seu orgulho e defesa de padrão de qualidade, seja sempre classificada entre as piores do mundo. O Brasil, nos últimos anos, pagou para apanhar. E, o que é pior, ajudou com isso a deturpar ainda mais o cenário de informação no país, jogando mais uma vez contra nosso potencial democrático.
As batalhas perdidas da politização e da informação não explicam tudo. Mas doem. Afinal, consciência crítica e verdade são territórios dos quais a esquerda nunca deveria abrir mão.
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