Em reunião com sindicalistas, na última semana, o ministro do trabalho, Ronaldo Nogueira, disse que até o fim do ano vai enviar ao Congresso uma proposta de reforma trabalhista. Entre os pontos centrais, a jornada diária de 12 horas e a criação de novos modelos de contrato de trabalho. Patrões e seus defensores trataram de defender o corte de direitos adquiridos, como FGTS, 13º, férias, entre outros. A desculpa é que, cortando direitos, o empregador teria condições de empregar mais pessoas ou remunerar melhor os trabalhadores mais produtivos. Será que isso é verdade? Para questionar essa visão, o Brasil de Fato MG conversou com o economista Clemente Ganz, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE).
Brasil de Fato - O ministro do trabalho disse que pretende fazer com que representantes dos trabalhadores negociem com os patrões como será cumprida a jornada semanal. O que isso significa?
Clemente Ganz - A possibilidade de negociação da jornada já está posta na legislação. A lei dá poderes para que o sindicato negocie um determinado ponto, desde que a negociação resulte em algo melhor que aquilo que foi estabelecido por lei. Em condições específicas, o movimento sindical já pode negociar a jornada, fazendo uma adequação, desde que não ultrapasse as 44 horas semanais.
O que a lei não permite é que o sindicato negocie algo pior do que a lei. Não pode ferir a Constituição ou atuar sistematicamente na redução de direitos. Existe respaldo legal até para que, em alguns contextos de adversidade econômica e desemprego, sindicatos negociem com empregador a redução da jornada com redução de salário, a fim de preservar o emprego. O que o movimento sindical não concorda é que se autorize negociar tudo, pois isso criaria uma pressão dos patrões por redução estrutural do custo do trabalho, num momento em que os trabalhadores estão fragilizados. Também há o risco de que práticas anti-sindicais, que conduzam a grande desfiliação.
O ministro também disse que quer acrescentar dois tipos de contrato: por horas trabalhadas e por produtividade. Como isso afetar o trabalhador?
Há uma série de vínculos ocupacionais, especialmente nos serviços, que são contratos de curtíssima duração. Já existem mecanismos para proteger trabalhadores, mas há inserções que merecem atenção especial. Por exemplo, um jovem que faz iluminação de festa no sábado à tarde. Pode-se criar um instrumento no qual esse jovem tenha um registro específico, mas esse tipo de solução não pode fragilizar as demais ocupações que já têm o vínculo empregatício. O risco dessas regulamentações é criar um ambiente de mais flexibilização. Já no contrato por produtividade, existem mecanismos como o MEI. Então, se já existe regulamentação, ela precisa ser considerada.
Existe um discurso neoliberal que diz que a eliminação de direitos daria ao empregador condições para contratar mais pessoas. Isso é verdade?
O que determina a geração de empregos é a dinâmica econômica favorável, com demanda interna, participação no comércio exterior, investimentos. Na última década, tivemos uma redução do desemprego com a mesma legislação que está aí. As empresas não empregam mais porque têm custo menor, mas porque passam a ter mais demanda. Se elas não tiverem demanda, não adianta zerar o custo, que elas não vão gerar empregos. É claro que dá para combinar redução do custo com manutenção do emprego e da demanda, por exemplo, fazendo reforma tributária. Mas reduzir custo do trabalho, reduzir direitos, não é inteligente, pois não gera emprego e pode reduzir demanda agregada. Com menos empregos e menos salários, teremos menos trabalhadores consumindo e isso pode prejudicar a economia como um todo.
Também alegam que retirar direitos como FGTS e 13º, entre outros, permitiria ao patrão pagar melhores salários. O que você pensa sobre isso?
Digamos que isso acontecesse, ou seja, tirar décimo terceiro e FGTS para pagar melhores salários. Se você diz que vai pagar menos FGTS e isso vai virar mais salário, você está eliminando um instrumento de proteção no momento de desemprego, acabando com poupança para aposentadoria e com um fundo público que hoje cumpre a função de financiar saneamento básico e habitação popular. O trabalhador também ganha em qualidade de vida quando tem saneamento básico e habitação. Não é vantajoso trocar um recurso de provisão futura de bens públicos por um recurso que viria diretamente para o bolso. Nós achamos que o FGTS deveria ter rendimento melhor, mas, se acabarem com ele, o que vai ser posto no lugar para proteger o trabalhador no momento do desemprego ou lhe dará poupança para fazer uma transição segura para a aposentadoria? Essas soluções mágicas e individualistas não são adequadas para estruturar a vida coletiva de maneira saudável. A discussão das políticas públicas também passa por formar as pessoas em uma cultura que valorize a previdência, os serviços públicos.
Olhando experiências de reforma trabalhista em outros países, o que aconteceu quando o trabalhador passou a ter que negociar diretamente com o patrão?
Já existem modelos de organização de “sindicato por empresa”, como nos Estados Unidos, por exemplo. Nesses casos, a empresa faz a negociação como ela quiser, desde que pague o salário mínimo e não ultrapasse a jornada legal. Essa negociação individual já acontece no momento que você é contratado, limitada, evidentemente, pela lei e pelo que está no acordo coletivo. Quando há uma necessidade de intervenção maior, como na crise, a empresa pode decidir unilateralmente e, às vezes, faz pressão direta sobre o trabalhador. Passar para um modelo que afaste trabalhadores dos sindicatos, mais do que dar o direito, é eficaz na redução de direitos. Mais estímulo para o trabalhador não se filiar a um sindicato vai contra a ideia da solidariedade e reforça o individualismo no qual cada um tenta resolver por si mesmo. Sociedades que abrem mão dos sindicatos observam uma queda estrutural dos salários e piora das condições de trabalho. É interessante discutirmos reformas que fortaleçam a negociação coletiva, dando solução mais ágil aos conflitos, aperfeiçoando a presença do sindicato no local do trabalho. Avançamos socialmente quando fazemos uma boa distribuição do resultado econômico e isso é feito com lei, instrumentos de regulação, sindicatos fortes.
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