Minas Gerais

Coluna

A reforma e a morte

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Reforma da Previdência é uma vitória dos senhores da morte

Primeiro o voto, depois a maldade. O raciocínio estelionatário do presidente não eleito Michel Temer ganha sua mais descarada tradução com a reforma da Previdência, que ficou para ser encaminhada ao Congresso depois da eleição municipal. Com constantes anúncios e desmentidos, balões de ensaios e ameaças, o que vem sendo apresentado ao trabalhador brasileiro até agora é uma perspectiva cruel: trabalhar mais, contribuir mais e receber menos. E ainda ser apontado como responsável pela incompetência do Estado brasileiro em construir uma política de seguridade social digna do nome.
Há muitas incongruências na forma como o processo vem sendo conduzido. Em primeiro lugar, pela mais absoluta distância dos interesses dos trabalhadores. Sindicatos, entidades profissionais e centrais não têm sido consultados, com exceção habitual dos pelegos de sempre, os golpistas de resultados. Os estudos apresentados não levam em conta o orçamento da Previdência definido na Constituição Federal, preferindo esconder as fontes definidas em lei por trás da retórica do caos. É sempre a mesma litania de que há mais gastos que receitas, jogando os trabalhadores novos contra aqueles que contribuíram por toda a vida.
O segundo aspecto está voltado para o incentivo aos produtos de instituições bancárias privadas, com o aceno amedrontador de que em breve a aposentadoria será cada vez menos capaz de cobrir as despesas essenciais da vida do cidadão comum. Além de alargar o tempo de contribuição e operar para diminuir a obrigação das empresas, o trabalhador será responsabilizado por arcar em grande parcela com sua aposentadoria, além daquilo que é extraído mês a mês, por décadas, do fruto de seu labor.
Em terceiro lugar, as medidas anunciadas, que chegam a um tempo de contribuição de 50 anos e idade mínima de 70, padecem de uma falsa universalidade, como se todos fossem iguais perante o tempo. Numa sociedade injusta como a brasileira, a expectativa de vida é também traduzida em termos de classe social, até mesmo pelo acesso diferenciado aos tratamentos de saúde. Por isso extirpar o SUS de sua universalidade e integralidade é uma contribuição a mais no nosso descenso civilizatório rumo à barbárie. Em outras palavras, os trabalhadores de menor faixa salarial, com as novas regras, não chegarão a aposentar ou o farão perto de morrer.
Por fim, as regras que serão divulgadas depois das eleições estabelecem um padrão irreal de manutenção da empregabilidade para uma população mais vivida, que é sempre a primeira a ser atingida nas estatísticas de desemprego. Ao impor uma trajetória profissional de mais de 50 anos de trabalho, a reforma está condenando uma grande parcela da população a viver pelo menos 15 anos na dependência ou na indigência, em razão de sua dificuldade de inserção num mercado cada vez mais imune à solidariedade e permissivo com a retirada de direitos.
Não é um inferno distante. Já entramos no primeiro círculo. A interrupção desse mergulho na desumanidade é a luta que deve engajar a todos. Não se trata de uma medida contra essa ou aquela categoria profissional, em afronta a uma ideologia particular, ou mesmo contra uma geração. O que se desenha é um cenário de perdas consecutivas, que estabelece um patamar de descartabilidade humana. A reforma da Previdência é uma vitória dos senhores da morte.
Só há uma saída contra essa violência que chega com ares de redenção de um cenário de crise: a intransigente recusa da toda reforma que retire direitos, penalize o trabalhador, adie a aposentadoria e seja implantada sem debate com a sociedade – não basta a falsa representatividade de um Congresso venal. Para isso são válidas todas as ações, da greve geral à desobediência civil, passando pela ocupação incansável das ruas.
Já assaltaram nosso presente com o golpe. Agora querem inviabilizar o futuro.  

 

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