Minas Gerais

ARTE DE RUA

Um dos pichadores mais famosos de MG enfrenta guerra à pichação e decide se aposentar

Vítima da guerra à pichação, Goma foi preso duas vezes e enfrenta neste momento uma liberdade condicional

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Me acusam de crime ambiental, mas quem foi preso pelo crime de Mariana?”, questiona Goma
Me acusam de crime ambiental, mas quem foi preso pelo crime de Mariana?”, questiona Goma - Reprodução

Em cada canto da cidade ele deixou sua marca. Preso duas vezes por crimes que alega não ter cometido, um dos pichadores mais famosos de Minas Gerais enfrenta neste momento uma liberdade condicional e decidiu se aposentar. Perseguição da polícia, comoção popular, herói pra uns e bandido pra outros: a história de Goma rende.

Foi preso pela primeira vez em 2010. No ano anterior, havia começado a se aventurar nas pichações de protestos e frases contra políticos e Polícia Militar, o que logo o fez virar alvo das autoridades. Quando um grupo do qual não fazia parte - os Piores de Belô - pichou o Pirulito da Praça Sete, a PM foi atrás dele. “Queriam que eu ajudasse a encontrar os caras e disseram que me envolveriam no caso se eu não falasse quem eram. Eu não falei”, conta. Goma ficou quatro meses na cadeia e saiu revoltado. Foi aí que decidiu pichar a cidade inteira. Comprou um mapa e cumpriu a promessa. 

Em 2016, quando a Igreja da Pampulha foi pichada por um jovem conhecido como Maru, que assumiu a autoria e disse ter feito o desenho sozinho, a polícia novamente procurou Goma como informante. Sem sucesso, o levaram para a delegacia. “Nessa época eu já tinha inaugurado a minha loja [a Real Grapixo, que vende roupas e acessórios para grafite]. Lá, eles viram que eu vendia umas blusas com a folha da maconha e ameaçaram me prender por apologia se eu não delatasse o Maru”, diz o pichador.

Como nunca foi pego por uma pichação que ele de fato houvesse feito, Goma acredita que tentaram pará-lo com a acusação de formação de quadrilha. “A polícia não conseguiria manter o Maru preso, só poderiam processá-lo por dano ao patrimônio. Já com a formação de quadrilha, eles podiam deixá-lo na cadeia, levando ainda eu e o Frek [outro pichador conhecido]”, analisa. Goma ficou oito meses preso em cela comum, com mais 32 detentos. A polícia também confiscou os produtos da loja.

Língua das ruas

Ele alega nunca ter pichado qualquer bem tombado, mas crê que incomodou especialmente pelos dizeres que deixava nos muros. Em frente ao Fórum de BH, por exemplo, ele escreveu “a polícia prendeu o pichador pé rapado e soltou o deputado”. Também já protestou a respeito da corrupção em frente à Polícia Federal. “É uma forma legítima de manifestação, muitas vezes não sobra outra pra nós, ninguém ouve. Me acusam de crime ambiental, mas quem foi preso pelo crime de Mariana?”, questiona. Na cadeia, Goma relata que viu presos por homicídio, roubo e outros tipos de delito graves saírem mais cedo do que ele. Conseguiu a condicional e está em prisão domiciliar, usando tornozeleira eletrônica.

Ao mesmo tempo que via sua vida desmoronar, Goma tirou força do apoio do público. Uma série de protestos contra sua prisão foi organizada, e por meio da ajuda de amigos a loja voltou a funcionar. Ele recebeu cartas de fãs da Alemanha, Salvador, São Paulo e um vídeo com artistas de rua denunciando a seletividade da Justiça e punições desproporcionais aos pichadores também viralizou na internet. 

Em março deste ano, acontecerá uma festa - ainda sem data marcada - cuja renda vai para a Real Grapixo, que agora é o foco da arte de Goma. “Por conta do sofrimento da minha família, da minha mãe, eu parei de pichar”. O processo, que ainda está em andamento, pode condená-lo a cumprir de cinco a seis anos em regime fechado. Agora ele quer marcar a mente das pessoas de forma diferente, lançando um livro com sua história e um documentário. 

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