Atendendo a um pedido dos setores ruralistas e de latifundiários do país, o governo não eleito de Michel Temer vai reavaliar todos os processos de demarcação de terras indígenas em andamento no país. A Portaria nº 68 do Ministério da Justiça e Cidadania, que chegou a ser publicada duas vezes há cerca de dez dias, cria o chamado Grupo Técnico Especializado (GTE), subordinado diretamente ao ministro, com poder de revisão sobre todos os estudos da Fundação Nacional do Índio (Funai) que reconhece e homologa as áreas pertencentes aos povos originários.
Na prática, a medida esvazia as atribuições da Funai para identificar e definir, por meio de estudos técnicos, a extensão da área a ser destinada às comunidades indígenas. Esse poder, agora, fica concentrado nas mãos do próprio ministro, que pode modificar a demarcação da terra e até mesmo desaprovar os estudos da Funai. Nem mesmo o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), instalado no ano passado, será ouvido pelo Ministério na análise dos processos. Entre as atribuições do CNPI, formado por integrantes do governo e indígenas, estão justamente a elaboração, o acompanhamento e a implementação de políticas públicas voltadas às comunidades tracionais.
Levantamento do Instituto Socioambiental (ISA) calcula que 153 terras indígenas em fase de estudos ou já identificadas serão diretamente afetadas pela portaria do governo. Desse total, 37 aguardam posicionamento do ministro da Justiça há pelo menos três anos. Em vez de acelerar a resolução dos conflitos, a medida do governo deve atrasar e até mesmo paralisar todos os processos de demarcação, o que deve acirrar a violência no campo, que contabiliza centenas de mortes a cada ano. No último relatório divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) sobre violência no campo, foram registrados 137 assassinatos de indígenas em 2015. No ano anterior, foram 138. Os números de 2016 ainda não foram apresentados.
Repúdio
Em nota de repúdio, entidades ambientalistas e que representam comunidades indígenas, como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o Conselho Indigenista Missionário e o Greenpeace Brasil denunciaram a gravidade da decisão do governo Temer em modificar as regras de demarcação de terras. “A medida segue na linha do enfraquecimento do órgão indigenista federal [Funai], atualmente com o pior orçamento de sua história, e consiste numa forte concessão do Governo Michel Temer a bancadas parlamentares anti-indígenas, em contraposição aos direitos ligados à vida dos povos indígenas do Brasil, notadamente o direito originário às suas terras tradicionais”.
Para o Ministério Público Federal (MPF), a Portaria nº 68 é inconstitucional. O órgão ressaltou que a medida retira o papel da Funai na demarcação das terras, o que é uma determinação da Constituição Federal.
Por causa da repercussão negativa, a primeira versão da Portaria nº 68 chegou a ser revogada pelo Ministério da Justiça. No texto inicial, a Portaria criava parâmetros ainda mais subjetivos para a reavaliação das demarcações. O governo substituiu o texto dois dias depois por uma versão mais enxuta, porém, manteve o poder de decisão sobre os processos nas mãos do ministro.
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