O hospital Sofia Feldman já conseguiu quebrar vários tabus com o seu estímulo aos partos naturais. É instituição referência no Brasil quanto a atendimento humanizado e traz à vida 11 mil crianças por ano, sendo a maior maternidade do país em número de partos. Mesmo assim, o hospital precisa se equilibrar na corda bamba da falta de verba.
As contas mensais não fecham. Segundo explica o diretor do hospital, Ivo de Oliveira Lopes, o Sofia recebe R$ 4,5 milhões ao mês, mas gasta R$ 5,5 milhões. “O problema das contas do Sofia é o subfinanciamento. Recebemos para um parto normal R$ 700. Ele custa R$ 1.500. Essa defasagem de custeio é chamada de subfinanciamento”, diz.
Como consequência, os enfermeiros ficaram sem o pagamento do 13º salário de 2016, do FGTS dos últimos 12 meses, de 30% do salário de dezembro e do salário de janeiro. A situação foi exposta pelo Sindicato dos Enfermeiros de Minas Gerais, que deu entrada em processo no Ministério Público e até o momento não conseguiu solução para o problema, de acordo com Anderson Rodrigues, presidente da entidade.
Sofia realizou mais de 10 mil partos em 2016
Além de afetar profissionais, a falta de verba já é sentida nos atendimentos. A empresa Famap informou ao hospital, em 8 de fevereiro, que cortaria o fornecimento de nutrição parenteral, tipo de líquido que substitui a alimentação para pacientes internados. A inadimplência do Sofia com a Famap estava em R$ 217 milhões, segundo a empresa. A dívida foi renegociada e o fornecimento permaneceu, mas não se sabe por quanto tempo.
“Temos o acúmulo de um subfinanciamento crônico e agora não vamos aguentar manter a assistência ao estado de Minas Gerais. Desde 2013 não temos acréscimo de verba, mas tivemos reajuste de salários e de outros custos”, afirma Ivo.
Dívidas x futuro
O dinheiro para quitar medicamentos e salários já está sendo negociado com o governo federal, de acordo o diretor. A maior preocupação seria agora o financiamento mensal. Da verba do Sofia Feldman, 80 % é repassada pelo governo federal e 20 % pelo governo estadual e nenhum dos governos apresentam disposição para aumentar o valor.
Em 8 de março o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PHS), anunciou uma verba de R$ 5 milhões para “apagar o fogo” na maternidade. A verba está em fase de liberação final na Procuradoria Geral do Município e será devolvida pelo hospital em forma de prestação de serviços, afirma a Prefeitura. O poder municipal não respondeu sobre a possibilidade de repasses contínuos. A falta de R$ 1 milhão ao mês continua a ameaçar o funcionamento.
“O Sofia é como se fosse uma mãe”
Direção, funcionários, usuárias e usuários do Sofia Feldman realizam uma campanha de apoio e valorização do hospital, simbolizado pelo ato “Abrace o Sofia”, em 8 de março. “O Sofia é uma instituição de saúde que trabalha a atenção ao usuário de uma forma integral, uma assistência de qualidade, como se fosse uma mãe”, emociona-se Simone Gaia, funcionária do hospital e integrante do Conselho Local de Saúde, ao explicar a campanha.
Mesmo experimentando novos tratamentos, a maternidade é a maior do Brasil em número de partos. Foram 10.783 partos em 2016, recebendo gestantes de 290 cidades de Minas. É o segundo hospital do Brasil em atendimento a crianças de até 29 dias, tendo recebido 1.052 recém-nascidos no último ano.
No ranking mineiro, com números bem menores, vem em segundo a maternidade do hospital Santa Casa de Montes Claros e só em terceiro a Santa Casa de BH, com 4.624 e 4.057 partos, respectivamente.
Relatos de um casal após parto no Sofia
“Abri mão do plano de saúde para ficar no Sofia”, diz parturiente
A recém-mãe Patrícia Diniz Novaes deu à luz a Roque há um mês e meio, e fez desde o pré-natal ao parto no hospital Sofia Feldman. Patrícia começou o pré-natal em consultas particulares e acabou ficando apenas com o Sofia depois de constatar que os resultados eram os mesmos. “Abri mão do plano de saúde para ficar no Sofia”, conta, “além do atendimento humanizado, achei todos da equipe experientes e organizados. Isso me chamou atenção”.
Inicialmente, Patrícia optou pelo parto natural, em que as intervenções médicas são as menores possíveis. Permaneceu na sala de parto por horas, junto a enfermeiras obstetras, mas acabou sendo transferida para o parto normal (que usa anestesia e intervenções que induzem o parto). Mas ainda assim o bebê não nascia.
“Depois de algumas horas fizemos um raio-x. Foi quando o médico me disse que o bebê estava com a mão na cabeça e isso estava dificultando o nascimento”, lembra. Patrícia foi transferida então para a sala de cesáreas. Às 2:30, Roque nasceu.
Pai na espera
A cirurgia de cesárea foi o único momento em que Humberto Augusto Oliveira de Carvalho não ficou com Patrícia. Ele, amigos e família esperavam do lado de fora quando um segurança do hospital veio avisar que Roque já estava no mundo. Ao contrário de maternidades comuns, Humberto pôde entrar na sala de cesárea e pegar o seu primeiro filho. “Vai mostrar ele pra sua família”, teria dito uma enfermeira que acompanhava o parto. A proximidade que os pais podem ter com o bebê surpreendeu o casal. “As enfermeiras só colocaram uma roupinha nele. A partir daí, Roque ficou com a gente o tempo todo”, relembra satisfeito.
Todo esse ambiente criado pelo atendimento humanizado do Sofia Feldman pareceu a Humberto um “clima de cidade do interior”. Característica que ele classifica como uma das melhores do hospital. Um lugar que “as pessoas se respeitam, se conhecem e se preocupam com você”, atesta.
Como funciona?
Minientrevista com Krisley de Castro Almeida, médica do hospital
Médica-residente no Sofia Feldman há três anos, Krysley teve seu primeiro contato com a maternidade durante parto de seu filho, Raul, em 2014. Saiba mais sobre os procedimentos no Sofia:
O que é isso de atendimento humanizado?
Dar à mulher e sua família uma assistência personalizada, que é o que ela precisa, na hora que ela precisa e evitando as interferências desnecessárias. Usa as evidências científicas a favor da mulher.
O Sofia é contra usar anestesia e fazer cesárea?
Não, de jeito nenhum. Toda mulher que deseja anestesia ou não se adapta ao alívio da dor de forma mais natural para ter parto normal, ela tem anestesia. Vemos a cesárea como uma aliada, ela pode salvar vidas. A taxa de cesárea do Sofia é em torno de 26%.
Por que vocês estimulam o parto normal?
O bebê que nasce de parto normal tem menos problemas respiratórios e tem menos necessidade de internação no CTI. A mulher que faz vaginal tem menos complicações no pós-parto e se recupera mais rápido. No Brasil passamos por uma epidemia de cesariana – nos hospitais particulares passam de 80% - e temos dificuldade de combater a mortalidade materna.
Conheça a estrutura do Hospital
A maternidade Sofia Feldman tem uma estrutura diferente dos demais hospitais, buscando que tudo seja o mais familiar possível. Assim, a direção decidiu alocar alguns tratamentos em casas próximas ao Sofia, e não no ambiente hospitalar.
Casa do Bebê: Os bebês prematuros, ou que apresentam problemas após o nascimento, cumprem a segunda etapa da internação na ‘Casa do Bebê’. Lá, passam por tratamento de ganho de peso antes da alta ou banho de luz, para os que têm icterícia. Os recém-nascidos ficam ao lado das suas mães, em berço conjugado com a cama. A garagem da casa ainda possui um ‘salão de beleza’ com secadores de cabelo, chapinha, tinturas, cadeiras e espelhos de cabeleireiro, que as mães e trabalhadores podem usar livremente.
Núcleo de Terapias Integrativas e Complementares: Fica localizado ao fundo da Casa do Bebê. Recebe gestantes e trabalhadores do hospital para tratamentos com Acupuntura, Ventosa, Aurículo-Acupuntura, Homeopatia, Florais, escalda-pés e Reflexologia. O ambiente tem uma música de meditação e as cadeiras de espera ficam ao lado de um jardim com uma fonte. Tudo conta para fornecer tranquilidade à paciente.
Casa da Gestante: A Casa Zilda Arns acolhe gestantes que apresentam agravos na gravidez e que demandam cuidados clínicos, mas que não precisam necessariamente ficar dentro de um hospital. A Casa acolhe gestantes de 300 municípios mineiros que são cuidadas até o trabalho de parto.
Creche José de Souza Sobrinho: O bem-estar dos funcionários é carro chefe de um atendimento humanizado, acreditam os funcionários e direção do hospital. Portanto, a creche recebe os filhos das trabalhadoras e trabalhadores, onde ficam até os cinco anos. No total, são 150 crianças, que contam com um programa pedagógico que visa torná-los cidadãos, conscientes de seus direitos.
Edição: Joana Tavares