"Entrou em uma situação como vítima e saiu como ré do Estado", diz a advogada Isabela Corby ao explicar a situação de Maria Mariana Batista Cangussu, jovem presa em 2015 durante o ato do Grito dos Excluídos, celebrado todo mês de setembro, na cidade de Diamantina.
Um vídeo que circula na internet mostra a forma como Maria, que era conhecida na região por já ter integrado o movimento estudantil da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), foi tratada. Enquanto participava da manifestação - que era contra o aumento da passagem e dos salários dos vereadores - um policial militar a abordou para perguntar se ela era a líder do movimento e pediu para que ela se identificasse. Maria e outros manifestantes tentaram explicar que o protesto não possuía uma só pessoa no comando. As imagens mostram a jovem sendo puxada pelo cabelo e arrastada até o camburão, onde foi colocada com a roupa rasgada, com seios à mostra, e levada até a delegacia, sob alegação de desobediência civil. Outros quatro jovens foram encaminhados à delegacia, mas após a liberação de todos, realizada um tempo depois, apenas Maria segue com problemas na Justiça.
A primeira audiência do caso foi realizada no dia 5 de abril deste ano, quando Maria foi defendida por Júnia Roman Carvalho, da Defensoria Pública. Foi oferecido à militante um acordo para encerramento do caso, mas apenas se ela assumisse a culpa e fosse penalizada com uma multa equivalente a um salário mínimo e quatro meses de prestação de serviços comunitários. A condição não foi aceita.
"Não foi por entender que Maria não cometeu delito algum. Pelo contrário, os acusados deveriam ser os policiais. Não apresentar identidade em uma manifestação não é motivo para prisão e agressão", explica a defensora.
A opinião é compartilhada pela advogada Isabela Corby, que acompanha o caso pela Assessoria Popular Maria Felipa, que promove apoio jurídico a ocupações e movimentos populares. "No início, a ação da PM é cautelosa e, do nada, se reverte, criando uma cena de abuso de poder e arbitrariedade", relata. Na época, um procedimento chegou a ser aberto para averiguar a truculência da polícia durante o ato, mas foi encerrado logo depois.
Por enquanto, não se sabe se o Ministério Público (MP-MG) vai apresentar denúncia contra a militante ou arquivar. Caso a denúncia seja levada adiante e Maria chegue a ser condenada, ela pode viver de 15 dias a 6 meses na cadeia, além de pagar uma quantia em dinheiro. "E a pena simbólica de ser atacada por se manifestar é muito pior", pontua Isabela.
As imagens mostram Maria sendo puxada pelo cabelo e arrastada até o camburão
Criminalização de quem luta
"A gente entende que é um momento de conjuntura política e social em que militantes que têm trajetória histórica estão em evidência, e eles são alvos de um sistema de Justiça seletivo e racista, um sistema que caça negros e pobres", afirma Isabela.
Maria, além de negra, vem de uma família de militantes. Sua mãe é referência na causa indígena e também já foi candidata a cargos políticos pela esquerda, e seu pai atua na Central Única de Trabalhadores (CUT-MG). Desde muito nova, seguiu o mesmo caminho no movimento estudantil.
Trauma como consequência
Após relatos de retaliações e perseguições, Maria mudou de estado. Abalada, ela encontrou apoio no coletivo de mulheres Margaridas Sempre Vivas, da Bahia. Segundo Gine Alberta, integrante do grupo, a militante até hoje trata o ombro, que teria sido deslocado após a ação da polícia. Com a ajuda, Maria também fará tratamentos psicológicos.
Edição: Joana Tavares