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Há 40 anos, estudantes enfrentavam uma das maiores repressões de sua história

Participantes do III Encontro Nacional dos Estudantes relembram o cerco da polícia e o terror da perseguição

Belo Horizonte |

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Ônibus eram parados pela polícia antes de saírem
Ônibus eram parados pela polícia antes de saírem - Acervo Projeto República

O dia era 4 de junho de 1977, quando a ditatura militar ainda dominava o Brasil. Belo Horizonte estava preparada para receber jovens de todo o país para o III Encontro Nacional dos Estudantes (ENE), evento que, junto a outras iniciativas, tentava reconstruir a União Nacional dos Estudantes (UNE), colocada na ilegalidade em 1964 pelo Congresso Nacional. 

Antes mesmo de saírem de suas cidades de origem, os ônibus eram interceptados pela polícia. Estudantes mineiros também eram retidos, impedidos de chegar até o Diretório Acadêmico (DA) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sede do III ENE, onde outros tantos jovens já estavam cercados. 

"Eu tinha 22 anos, estudava para ser médico. O encontro seria à noite, e ainda à tarde começamos a ter notícias de veículos barrados nas estradas. Já éramos uns 300 estudantes no DA e a pressão ia aumentando. Num certo momento, o Exército e a polícia estavam rodeando todo o prédio, ninguém podia entrar ou sair. Falavam que iam 'descer o cacete'", relata Thomaz Mata Machado, hoje professor do curso de medicina da UFMG. 

Um dos organizadores do III ENE, ele conta sobre o temor daquele dia e o medo das ofensivas militares. "A polícia falava que ia invadir, prender todo mundo. Foi aí que alguém teve a brilhante ideia de usar o telefone do DA e avisar a família sobre o que se passava. Uma fila gigante de gente que queria falar com os pais se formou, e o reitor ameaçava cortar a linha", relembra Thomaz. 

A cada ligação, um parente aparecia na porta do campus. De repente a cidade estava lotada, com passeatas que clamavam pelo fim da repressão em todos os cantos - Avenida Afonso Pena, Igreja São José, Boa Viagem, etc. Na UFMG, os estudantes realizavam uma última assembleia, que tratava do que fazer: ser preso ou espancado. Decidiram, por maioria, enfrentar a prisão, sem saber o que poderia acontecer por trás das grades. "Todo mundo se preparou. Sentamos no pátio, demos as mãos e esperamos a polícia invadir. Veio aquele monte de soldado correndo pra cima", diz Thomaz. 

Os estudantes tentaram negociar, e assim foram levados, em fila indiana, para os ônibus que iriam deixá-los em um local de exposição de animais, o antigo Parque da Gameleira, localizado onde está hoje o Expominas. 

"O caminho até os veículos era um corredor polonês, escuro. Deixamos o DA com a mão na nuca", recorda Ana Rita Trajano, que era tesoureira do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Faculdade de Filosofia e de Ciências Humanas (FAFICH) da UFMG. 

O dia 4 de junho também era o aniversário da militante, que, graças à pressão de sua mãe - que não sabia que ela tinha saído para o ENE -, conseguiu não ser levada para o Departamento de Ordem Política e Social de Minas Gerais (DOPS-MG). "Na Gameleira, eles selecionaram quem era dirigente, presidente de alguma organização e quem não era. Quem não era foi liberado e quem era foi para o DOPS. Eu não fui, mas, junto com as 55 pessoas que foram, fui indiciada pela Lei de Segurança Nacional", declara. 

A ficha que Ana tinha no DOPS, mesmo depois da anistia, em 1979, fez com que ela fosse perseguida em seus empregos posteriores e que, até em 2005, ela não conseguisse emitir novas guias de documentos sem problemas. 

Uma mudança no rumo do Brasil

Apesar dos danos que rondaram os presos do III ENE, o encontro é considerado um sucesso. "O que aconteceu não só influenciou a reconstrução da UNE [1979], como acordou o Brasil para a ditadura. As famílias saíram para as ruas, a repressão estava batendo nos filhos da classe média. Enquanto éramos levados para os ônibus, tinha gente nos aplaudindo. Isso aconteceu no país inteiro", comenta Evilázio Gonzaga, estudante e ator de teatro que também participava do evento no interior do prédio da Medicina.

"A geração desse encontro é vitoriosa. Ela conseguiu libertar o pessoal da luta armada, fortaleceu a esquerda, lançou o ‘Diretas Já’ e derrotou a ditadura. Infelizmente, nossa democracia durou pouco, e a geração de hoje tem uma função semelhante: reconquistá-la. E nós estaremos juntos nisso", ressalta Evilázio. 

CONUNE em BH

Agora, mais uma vez, Belo Horizonte será palco para a organização dos estudantes contra os retrocessos. A capital sediará o 55º Congresso da UNE (Conune), que acontece entre os dias 14 e 18 de junho, e tem como temas centrais a saída do presidente não eleito Michel Temer e a exigência por eleições diretas no país. 

O evento contará com mais de 50 debates e mais de 100 convidados, além de atividades culturais e passeata. Durante o congresso, os estudantes também irão eleger a nova direção e presidência da UNE, que completa 80 anos em 2017. As atividades devem acontecer na UFMG, no Mineirinho, e no centro da cidade. 
As inscrições estão abertas e podem ser realizadas por qualquer estudante no site da UNE. Os participantes terão direito a alojamento, alimentação e transporte. 

Edição: Joana Tavares