A Câmara Municipal de Belo Horizonte debate um projeto para garantir a liberdade e a democracia nas escolas. A intenção é fazer frente ao movimento Escola sem Partido, que quer instituir o controle privado do ambiente escolar.
O Projeto de Lei (PL) 2035/2016, conhecido como Escola Democrática, foi apresentado pelo vereador Gilson Reis (PC do B). O texto prevê a criação, em todos os níveis da educação municipal, de programa que garanta o direito de estudantes e professores pensarem e se expressarem livremente, em um ambiente de ensino laico e fundado na ciência, com respeito à diversidade de ideias e comportamentos, combatendo a violência, o extremismo e as práticas de bullying. O PL também trata da liberdade de organização em grêmios, centros acadêmicos, associações, sindicatos e similares.
“A democracia que propomos nas escolas vai desde sua organização (professores, pais, alunos precisam participar), passa pela liberdade no processo de ensino-aprendizagem, explora ao limite a ciência produzida ao longo de séculos pela humanidade. A escola precisa ser um espaço da construção das ideias, da reflexão, do debate”, comenta Gilson Reis. Ele ressalta que as liberdades defendidas no projeto não se confundem com a afirmação de preconceitos, a discriminação e a prática de segregar pessoas.
O PL foi aprovado nas comissões de Legislação e Justiça e de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor, apesar de os relatores terem emitido parecer pela rejeição. Na primeira comissão, o ex-vereador Joel Moreira Filho (PMDB) alegou que o projeto faria a educação escolar sobrepor-se à educação familiar. Já o vereador Mateus Simões (Novo) atribuiu ao PL uma intenção de “transformar o magistério em atividade de doutrinação ideológica, política ou religiosa”. Mateus também criticou a proposta, prevista no artigo 3º, de colocar o texto da lei nas escolas, em cartazes redigidos em alfabeto ordinário e braile.
O Projeto Escola Democrática encontra-se em fase de apreciação no Plenário da Câmara. O texto do PL, os pareceres das comissões e outras informações estão disponíveis aqui.
Escola “Sem” Partido, mas apoiada por partidos
“O nosso projeto ocupa um espaço político de contraponto ao Escola Sem Partido, uma visão de escola ultraliberal, vinculada aos interesses de grupos religiosos fundamentalistas, que tentam impor suas regras à sociedade”, afirma Gilson Reis, referindo-se ao movimento político criado pelo procurador de Justiça Miguel Nagib.
O movimento Escola Sem Partido é apoiado por políticos de partidos como o PSC, PR, Novo, Democratas, PSDB e PMDB. Organizações como o Movimento Contra Corrupção, do ex-ator Alexandre Frota, e Movimento Brasil Livre (MBL), do vereador Fernando Holiday (DEM-SP), também apoiam a iniciativa.
Os defensores do projeto dizem querer coibir a doutrinação política e ideológica nas escolas. Alegam que muitos professores usam sua posição hierárquica para impor opiniões a alunos que, por não terem formado a capacidade de discernir, seriam presas fáceis de militantes partidários mal intencionados.
“O que o Escola Sem Partido quer, na verdade, é cercear os saberes culturais e as diversas vozes sobre o que acontece na política, no mundo. O que querem é voz única. Não há doutrinação nas escolas, há um ensino sobre o ponto de vista histórico. E há pessoas que concordam com esse ponto de vista e outras que não concordam. Os estudantes podem concordar com o que eu falo, podem aprender comigo e podem discordar de mim. A escola é assim”, avalia a educadora Patrícia Pereira, que leciona Língua Portuguesa na Escola Estadual Boa Vista, em Contagem.
Tentativas
O movimento Escola Sem Partido tem apresentado uma série de projetos de lei em todo o Brasil. No Senado, tramita um projeto apresentado por Magno Malta (PR-ES). Uma consulta pública sobre a proposta já foi acessada por mais de 394 mil pessoas (disponível em: migre.me/wFM3p). Até agora, mais de 203 mil votaram contra e 191 mil a favor.
Na Assembleia Legislativa de Alagoas, o movimento conseguiu a aprovação da Lei nº 7.800/2016 e sua promulgação pelo então presidente interino da casa, deputado Ronaldo Medeiros (PMDB), um dia após ele ter dito que era contra o projeto. Porém, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino apresentou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. Em março de 2017, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar, suspendendo a integralidade da lei. A liminar será apreciada no Plenário do STF.
Em Belo Horizonte, o ex-vereador Sérgio Fernando de Pinho Tavares (PV), vinculado à Igreja Batista da Lagoinha, apresentou projeto nos moldes do Escola Sem Partido. A proposta foi arquivada na atual legislatura, a pedido dos vereadores Arnaldo Godoy (PT), Áurea Carolina (Psol), Cida Falabella (Psol) e Pedro Patrus (PT). De acordo com o Regimento da Câmara Municipal, para que seja retomado, o projeto precisa da assinatura de 21 parlamentares, o que tem sido tentado pelo vereador Fernando Borja (PT do B), pastor da mesma igreja de Sérgio Fernando.
Aprovar projetos de lei não é a única estratégia do movimento, que tem realizado entrado com representações junto ao Ministério Público, estimulado seus seguidores a fazerem pressão nas escolas e intervenções nas casas legislativas. “Em 2015, o grupo do Escola Sem Partido foi até a Câmara Municipal de Contagem e intimidou vereadores para que vetassem qualquer menção às palavras ‘gênero’ e ‘diversidade’ no currículo”, relata a educadora Patrícia Pereira.
Edição: Joana Tavares