"Menos um espaço para nós, negros". Essa é a frase usada por Noelle Carolina, assistente social do Educafro Minas, para definir a medida que prevê a criação de 800 cargos sem concurso público no Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). A proposta, de autoria do próprio MP, foi enviada como Projeto de Lei (PL) à Assembleia Legislativa de Minas Gerais no dia 2 de junho, onde foi aprovada por 50 deputados. Agora, para virar lei, a iniciativa aguarda apenas a sanção do governador do estado Fernando Pimentel (PT).
De acordo com o Ministério Público, a mudança na forma de contratação é para gerar economia aos cofres públicos, já que, segundo o órgão, o custo dos funcionários concursados seria bem maior.
No entanto, a alteração do quadro de serviços incomodou sindicatos e organizações de defesa dos direitos humanos. Isso porque o PL exclui a política de cotas, que estipulava que 20% das vagas existentes fossem destinadas a pessoas com deficiência e 20% a pessoas negras. A ação também não agradou por ser justamente o MP a entidade responsável por fiscalizar a contratação ilegal - sem concurso -, em espaços de administração pública.
"A aprovação de cotas raciais nos concursos foi resultado de um grande movimento de luta nacional, porque entendemos que, em instituições oficiais, os trabalhadores negros são o porteiro, os seguranças, as faxineiras. Por mais que nos últimos anos tenha acontecido uma maior inserção dos negros e pobres na universidade, ainda existe a necessidade da colocação no mercado de trabalho. O importante não é só acesso a estudo, mas ter a oportunidade de galgar altos cargos", critica Noelle.
A coordenadora nacional do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (CENARAB), Makota Celinha, acredita que o mercado de trabalho, que classifica como excludente, tende a piorar caso o exemplo do MP seja adotado por outros órgãos. "Os privilégios, que por anos combatemos, voltam à cena. É um ataque às conquistas da classe trabalhadora. Assim, se priorizam indicações políticas, econômicas e sociais, o que é fácil para o filho da classe média branca, que nasce com 'nome e sobrenome'", ressalta.
Deficientes físicos prejudicados
Há poucos dias, o presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência de Minas Gerais (CONPED-MG), Romerito Nascimento, comentava com um amigo sobre o apoio do Ministério Público às pessoas com deficiência. Agora, afirmou se decepcionar com a notícia dos novos cargos comissionados. Segundo ele, o concurso público era um dos poucos recursos que abriam espaço para a diversidade em estabelecimentos comerciais.
"As empresas não querem fazer adaptações e insistem na incapacidade da pessoa com deficiência. Muitas vezes, o único jeito que ela tem de mostrar sua competência é por meio de concurso, quando são garantidas condições adequadas de trabalho. Aí ela pode se tornar chefia, referência", comenta. Romerito argumenta ainda que a decisão do MP é contraditória.
"O que me preocupa é que, sendo aprovado pela maioria dos deputados, esse PL se torne uma estratégia para prefeituras e demais políticos incharem suas máquinas com cargos comissionados. O MP não tem moral para cobrar deles uma postura diferente".
Precarização
Segundo o Ministério Público, "o projeto visa implantar uma estrutura administrativa com cargos de confiança típicos para o assessoramento direto às atividades, o que explica o regime de livre nomeação que o caracteriza". Além disso, o órgão declarou que "haverá um processo rigoroso de avaliação da eficiência do servidor comissionado, o qual poderá ser demitido sem a necessidade de complexas formalidades".
Para a professora de Direito Constitucional Bárbara Lobo, o novo modelo caracterizaria a precarização do trabalho dos agentes públicos, assim como não seria capaz de gerar a economia prometida. “Esses cargos normalmente são funções de confiança que, geralmente, são mais bem pagas do que as demais”, pontua.
O Sindicato dos Servidores do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (SINDSEMP-MG), que já havia divulgado uma nota contestando a decisão do MP, decidiu não se posicionar no momento por questões jurídicas. De acordo com a assessoria de imprensa, a organização já encaminhou uma solicitação para que o governador Fernando Pimentel vete a proposta, e aguarda um parecer.
O Ministério Público de Minas Gerais frisou que o Projeto de Lei é constitucional e assegurou que irá “continuar a combater a contratações ilegais na administração pública”. "O projeto do MPMG não guarda nenhuma semelhança com as contratações ilegais de pessoal feitas por muitos órgãos públicos, por meio de contratos administrativos, fora das hipóteses de assessoramento, chefia ou direção, permitidas pelo art. 37, II, da Constituição da Pública, e sem respaldo em lei específica. Nem tampouco com contratações sem concurso público, ainda que respaldada em lei, mas com abuso quanto aos limites estabelecidos pelo STF [Supremo Tribunal Federal] ou fora das hipóteses de chefia, assessoramento ou direção. Daí porque não há que se falar em contradição do MPMG nesse aspecto”, informou o MPMG, em nota.
Edição: Joana Tavares