"Se compararmos a história do funk com a do samba, pagode e até mesmo da capoeira, vemos que o preconceito com o ritmo é racial. Essas manifestações da cultura negra, consequentemente periféricas, eram proibidas. A polícia as perseguiu desde o início”, disse MC Baby, autor da música “Som de Preto”, em uma entrevista concedida ao Brasil de Fato MG em 2015. Já lidando com a realidade de perseguição ao funk, mal sabia ele que, em 2017, a criminalização do ritmo poderia se tornar algo legitimado pela lei.
Atualmente, o Senado analisa uma proposta que classifica o funk como “crime de saúde pública à criança, aos adolescentes e à família”. O texto do projeto, que ainda não tem data para ser examinado, associa o gênero musical a delitos como roubo, uso de drogas e exploração sexual.
Um dos motivos para o funk ser alvo de racismo e constantemente vinculado à marginalidade, de acordo com o jornalista Leandro Barbosa, é a mídia. Leandro faz parte de um grupo de cinco pessoas que toca o Observatório da Violência nos Bailes Funk em Belo Horizonte, iniciativa que começou a funcionar depois do assassinato de um jovem que tinha 14 anos e foi morto por estar se divertindo no pancadão.
“Quando o episódio aconteceu, os jornais chegaram a falar que era um homem quem tinha morrido, que ele tinha envolvimento com o tráfico. Eles só ouviram um lado. E essa violência tem a ver com a narrativa que fala do negro, do pobre, da periferia como agente do crime. Quando você constrói essa ideia, dá a base para a polícia agir como ela age”, argumenta Leandro. Ele ressalta, ainda, que tudo isso acontece por um “projeto de governo e de Estado que quer condenar a favela”.
Com o intuito de transformar essa realidade, o observatório tem realizado ações para furar o bloqueio nos meios de comunicação e informar sobre as boas coisas que o funk faz, tanto para quem curte, como para quem produz o batidão. O observatório promove aulões informativos, divulga vídeos com depoimentos de MC’s e organiza dados sobre o assunto.
Que bem o funk faz?
Moradora do Aglomerado da Serra e agente cultural, Cristiane de Jesus conta que, na comunidade, o funk é o ritmo que mais conquista adeptos. Nos dias de Baile do Serrão, o maior de BH, cerca de 8 mil pessoas comparecem por noite. A renda gerada paga artista convidado, DJ, equipe e também vai para o bolso de quem lá trabalha, como Cristiane, que vende comida e bebida. Mesmo assim, ela afirma que é cada vez mais difícil conseguir alvará.
“Eles dificultam tudo. É uma luta pra legalizar. A gente bate é nessa tecla: funk toca em tudo quanto é lado, mas por que só criminaliza aqui?”, questiona.
Nos relatos coletados pelo Observatório, também não são poucas as histórias de sucesso. Uma jovem chamada Aninha, por exemplo, conseguiu pagar implantes de dentes para a mãe e mudar suas notas na escola a partir do suporte e da disciplina que adquiriu após iniciar aulas de passinho.
Artistas do funk não têm proteção trabalhista
De acordo com a advogada popular Maíra Neiva Gomes, que também é integrante do
Observatório e concluiu uma tese de doutorado sobre a relação entre movimentos culturais e trabalho, tornar os bailes ilegais é outra forma de justificar a ação violenta da Polícia Militar.
“Por questões de racismo estrutural, o funk não é reconhecido como arte. Consequentemente não é cultura e, não sendo cultura, não é reconhecido como trabalho. Por isso, esses artistas não têm proteção trabalhista e nem do sistema jurídico”, critica.
Vira lei?
Para Maíra, o projeto que tramita no Senado fere a Constituição Federal, especialmente o artigo 215, que garante a todos “o pleno exercício dos direitos culturais”. Por uma questão puramente mercadológica, a advogada acredita que a proposta não deve seguir adiante. “Só não passa porque não é interesse da indústria fonográfica, porque o funk movimenta, gera lucro”, diz.
Edição: Joana Tavares