Num mundo em que juízes e policiais são suspeitos, a Justiça perde o sentido
A delação premiada, que vinha sendo a estrela da Lava Jato, parece ter chegado ao limite. De um lado, Joesley Batista denuncia Temer como ladrão geral da República. Em resposta, o presidente golpista desanca o delator e, para não perder o mandato, compra o Congresso a peso de emendas e cargos. Para completar, coloca o procurador geral da República sob suspeição. Ninguém confia em ninguém.
Enquanto o andar de cima troca gentilezas, o país assiste paralisado à desmontagem do Estado social, com corte de investimentos, entrega de setores estratégicos aos interesses internacionais e empregos se dissolvendo. No parlamento, deputados e senadores se dedicam de corpo e alma a uma reforma política que preserve seus interesses. O Judiciário, mais uma vez, lava as mãos. Privatização, distritão e frouxidão.
O país saiu das ruas para ir para as barras do tribunal. O que um dia foi política hoje é caso de polícia. Até as eleições de 2018 vão sendo desenhadas à base de especulações sobre julgamentos e decisões de tribunais de segunda instância. Um juiz decide quem pode se candidatar apenas com sua convicção. O X9 se tornou um personagem de destaque na cena política.
A mais recente reviravolta neste cenário veio de Rodrigo Janot, que decidiu investigar a delação de Joesley e associados. Novas gravações entregues ao procurador geral mostram que o rastro da corrupção, que parecia manchar apenas a quadrilha formada por empresários, governantes e políticos, chega bem perto da PGR e até mesmo do Supremo Tribunal Federal. O que não surpreende, mas revolta.
A vida imita a arte
Nesta semana estreia nos cinemas o filme "Polícia Federal, a lei é para todos". Na pré-estreia, em Curitiba, uma plateia de juízes que se julgam heróis e policiais que se acham juízes, a tudo assistia, embasbacada. A produção foi bancada por investidores que se escondem. Era para ser um filme de suspense, quase uma celebração do Estado policial em estamos metidos. Virou comédia.
No conto "O Alienista", de Machado de Assis, o médico Simão Bacamarte resolve internar todos os doidos de sua cidade, Itaguaí. Depois de recolher centenas de alienados, delatados por parentes e amigos que querem salvar a própria pele, o médico percebe que estão todos loucos e se interna sozinho no hospício.
A delação premiada está transformando o Brasil em Itaguaí. Num mundo em que juízes, policiais e procuradores são suspeitos, a Justiça perde o sentido. Janot talvez tenha mandado seu último bambu. A flecha atinge o coração da República.
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