Na mesma semana, dois movimentos desafiam a lógica segundo a qual trabalhadores pobres não poderiam morar, com dignidade, na área central da cidade. Nas madrugadas dos dias 6 e 7 de setembro, respectivamente, nasceram as ocupações Carolina Maria de Jesus e Pátria Livre, em Belo Horizonte. A primeira é organizada pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB); a segunda, pelo Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD). Ambas exigem que o direito à casa seja acompanhado de infraestrutura e serviços urbanos adequados.
Carolina Maria de Jesus
A Ocupação Carolina Maria de Jesus homenageia a escritora mineira cujo livro mais conhecido é “Quarto de Despejo”, um relato da realidade na favela do Canindé, em São Paulo. “Ela era uma mulher negra, favelada, trabalhadora, que se alfabetizou sozinha e retratou a vida das periferias em seus escritos. Nós consideramos que ela tem tudo a ver com a pauta da moradia”, aponta Leonardo Péricles, da direção do MLB.
A ocupação fica na avenida Afonso Pena, acima da Praça Tiradentes. “As pessoas vieram porque não tinham mais aonde ir. Este lugar já tem creche, cozinha comunitária, banheiro, uma estrutura organizada, apesar de precária, mas em condições melhores do que essas pessoas tinham antes de ocupar.”, acrescenta Leonardo Péricles.
Desde sexta (8), a ocupação está ameaçada por uma ordem de reintegração de posse. Porém, no dia 12 de setembro, uma reunião entre o movimento, a Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel) e a Mesa de Diálogo e Negociação Permanente do governo estadual definiu que não pode ser realizado nenhum despejo antes da próxima etapa da negociação, no dia 28.
Pátria livre do aluguel
No feriado do Dia da Pátria, a Ocupação Pátria Livre foi deflagrada na Pedreira Prado Lopes. O movimento denuncia que o imóvel ocupado está ocioso há mais de 25 anos, sem cumprir sua função social, como manda a Constituição. A área é uma Zona Especial de Interesse Social (ZEIS), ou seja, a lei determina que o local seja destinado à inclusão da população marginalizada, com introdução de serviços e infraestrutura urbana, regulação do mercado de terras, entre outras atribuições.
O prédio foi desativado nos anos 90 porque uma empresa de telecomunicações encerrou as atividades no local. Horas após o surgimento da ocupação, a Polícia Militar compareceu ao local, ameaçando realizar um despejo sem mandado. Dezenas de pessoas compareceram à Pedreira Prado Lopes para apoiar os ocupantes, enquanto a PM impedia o acesso de pessoas, água e alimentos ao local. Após horas de tensão, o proprietário aceitou levar o conflito para a Mesa de Diálogo e Negociação Permanente, em reunião que está para ser agendada. Até lá, nenhum despejo poderá ocorrer.
Liberdade do aluguel
Lorraine Estefane, de 21 anos, tem uma filha de 1 ano e outra de 6. Desempregada, ela tem como principal fonte de renda fazer decorações para festas infantis. O dinheiro que ganha nunca chega a um salário mínimo, e tem que ser dividido entre o aluguel, o sustento das crianças e outras despesas.
“Às vezes, se paga o aluguel, a gente não come. Por essa situação, eu decidi ocupar esse prédio que estava parado há tanto tempo, trazendo só violência. E a gente tem direito à moradia desde que nasce. A gente tem que correr atrás dos nossos direitos”, afirma.
Edição: Joana Tavares