"Um santuário de riquezas naturais / O que será da nossa flora, pra onde vão os animais? / Muitas nascentes com certeza vão secar / Se não preservar agora, não teremos água mais". Esses versos fazem parte de uma música desenvolvida por ativistas e cidadãos que se mobilizam pelo terceiro maior reservatório de água da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), conhecido como Vargem das Flores.
O local é uma bacia hidrográfica e uma Área de Proteção Ambiental (APA), que está situada nos municípios de Contagem e Betim e corre o risco de acabar por alterações no Plano Diretor de Contagem.
A proposta do atual prefeito do município, Alex de Freitas (PSDB), sugere transformar a área rural da cidade em área urbana, com instalação de indústrias e empreendimentos imobiliários de grande porte. Moradores contrários ao projeto defendem que as mudanças podem destruir matas responsáveis pela manutenção das águas das nascentes, o que poderia ocasionar a seca do reservatório e a destruição das plantas e da fauna da região. A nova medida foi proposta em julho, no Conselho Metropolitano da RMBH, e não foi aprovada por protestos da população. No momento, ela segue em debate.
Quem dá mais detalhes é a deputada estadual e ex-prefeita de Contagem, Marília Campos. "Na região, temos dois tipos de captação de água. Ou pegamos diretamente dos rios ou então pelos reservatórios, que funcionam como uma reserva, o que é a Vargem das Flores. A primeira forma não está sendo suficiente porque já estamos há muitos dias sem chuvas, com os rios secos. Ou seja, o abastecimento já está prejudicado. Funcionamos agora com apenas 40% da capacidade. Se comprometermos os reservatórios, iremos vivenciar uma crise hídrica terrível", declara.
Com 500 nascentes, a Vargem das Flores chega a abastecer 10% dos municípios localizados ao redor da capital mineira, atendendo quase 500 mil pessoas, além de interferir diretamente na vida daqueles que moram perto das águas.
É o caso de Cristina Campos, professora de história que reside há mais de 50 anos em Contagem e há 24 tem uma chácara nas proximidades do reservatório. Ela conta que contagenses e visitantes, principalmente os de baixa renda, costumam utilizar a área para lazer. Lá acontecem cavalgadas, trilhas de bicicleta, caminhadas, piqueniques, brincadeiras, entre outras atividades. Para a docente, a beleza natural e as variadas espécies de animais poderiam fazer do turismo uma importante ferramenta para geração de emprego e renda.
“Outra questão é que a prefeitura quer levar os bairros pra lá. Se for ocupar toda a região dessa forma, é possível adensar 900 mil pessoas. Ou seja, nossa população vai dobrar. Consequentemente, as redes de saúde, de educação e de transporte também têm que ser dobradas. Aumentam as pessoas e diminui a água. Os impactos não serão sentidos agora, não serão contornados pelo prefeito de hoje, mas no futuro alguém vai ter que dar a resposta, corrigir erros”, salienta Cristina.
Especulação Imobiliária
Tanto Marília quanto Cristina rebatem a justificativa da prefeitura, que afirma que a industrialização seria necessária para o desenvolvimento econômico da cidade. Elas chamam a atenção para a existência de terrenos de grande extensão que já foram destinados às empresas, mas que, contraditoriamente, estariam desocupados e improdutivos. De acordo com os relatos, são galpões e centros industriais vazios, inclusive, uma área de um milhão e 300 metros quadrados sem função.
Elas ainda ressaltam que as mudanças no Plano Diretor estariam sendo feitas para beneficiar os grandes donos de terras. “A propriedade urbana vale muito mais do que a rural. O que eles querem é valorizar os terrenos. Muitos deles são de vereadores, deputados e do empresariado”, atesta Cristina. Ela continua e menciona que imobiliárias já estariam fazendo contato com moradores para propor a compra de suas casas.
O surgimento de uma nova Pampulha
Maurício Cassim é ambientalista e acompanha também os impactos do projeto Manuelzão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele considera que, além do risco de secar as nascentes e a represa, a urbanização poderia transformar Vargem das Flores em uma "nova Pampulha". No início da década de 1970, o ponto turístico de Belo Horizonte era usado para captação e distribuição de água. Devido ao processo de ocupação - com menos água e mais esgoto chegando na lagoa, maior população e divisão dos terrenos -, a qualidade da água piorou e a Pampulha foi perdendo a capacidade de abastecer a população.
O sistema de Paraopeba, o qual engloba Vargem das Fores, Serra Azul e Rio Manso, serve também para quando a busca pela água está comprometida no Rio das Velhas, por exemplo, que atualmente sofre com o tempo seco.
"Há um mês, a Copasa retirava do Rio das Velhas 6.500 litros de água por segundo para tratar. Com quase 100 dias sem chuva na região, essa captação foi reduzida para 5 mil litros por segundo, e essa diferença de 1.500 litros está sendo suportada por conta do Paraopeba. Por isso Vargem das Flores é mais do que fundamental para a região metropolitana de BH: por ser um reservatório e possibilitar a guarda de água", pontua o especialista.
Ele acredita, ainda, que o problema deve ser resolvido com união do estado, prefeituras e empresas de água.
Prefeitura contesta
A Prefeitura de Contagem, por meio do Diretor do Departamento de Controle Ambiental da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (SEMAS), Marcos Botelho, informou que as discussões para transformar a área da represa teriam surgido a partir de queixas da população, que estaria insatisfeita com a fragilidade da fiscalização da zona rural – realizada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e Instituto Estadual de Florestas (IEF). A administração alega também que discutiu com os moradores possíveis formas de ocupação dessas áreas, e que sugeriu empresas com “baixo índice de impacto ambiental” de “desenvolvimento sustentável”.
"Na revisão do Plano Diretor, a prefeitura encaminhou uma proposta de macrozoneamento para a área rural, o que não significa construção de empreendimentos industriais e imobiliários indiscriminadamente. Mas regulariza ocupações já existentes e formaliza uma legislação para implantação de empreendimentos muito mais restritiva do que acontece hoje, já que eles terão que obedecer a parâmetros baseados no desenvolvimento sustentável da região", disse o secretário.
O presidente da Associação de Proteção e Defesa das Águas de Vargem das Flores (APROVARGEM), Geraldo Ferreira Pinto, refuta a versão. Ele declara que não houve debate com os contagenses e que o problema da fiscalização existe, mas para que não haja desmatamento e seja realizada a proteção das nascentes e da vegetação.
Ainda sem data para ser analisado, o projeto deve passar pelo Conselho Municipal de Contagem e pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Edição: Frederico Santana