“Me chamam de Tempestade. Se você ouvir falar por aí que a Tempestade está lançando um livro, pode saber que sou eu”, avisa Karinne Cândido de Andrade. Ela pretende contar sua história de rápida ascensão no tráfico em uma autobiografia em construção. Apesar de ter apenas 42 anos – ‘sou velha’, destaca – é mãe de três e avó de mais três, inclusive de uma menina que fez um ano nesta semana. Faz questão de explicar que perdeu o aniversário da caçula para participar do lançamento da revista “A Estrela”, na qual assina vários textos.
Karinne adiou sua ‘descida’ - a saída temporária de sete dias concedida a quem está no regime semiaberto - para comemorar com suas colegas a vitória que foi ver o trabalho impresso, depois de uma semana de oficinas de produção de texto e fotos, organizadas pelo fotógrafo Leo Drumond e pela jornalista Natália Martino no Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto (Piep), em Belo Horizonte (MG).
A revista, que já está na sua quarta edição, faz parte do projeto Voz, que desenvolve atividades junto a pessoas privadas de liberdade. Foi a primeira vez que ela foi feita numa unidade do sistema prisional comum – as três anteriores foram realizadas em Apacs (Associação de Proteção e Amparo ao Condenado). Por isso, o tempo foi mais curto, mas os organizadores se surpreenderam com a quantidade e qualidade de produção das mulheres. “Tivemos tanto material que foi até difícil editar”, comemora Natália.
Como explica o fotógrafo Leo Drumond, o objetivo principal do projeto é que as próprias pessoas contem sobre suas vidas. Por isso, a revista é toda feita por eles. No caso desta edição, por elas. A pauta, as fotos, os textos e até uma letra – e clipe – de rap compuseram o material. Em cada edição, é confeccionada uma nova estrela para ilustrar a capa, e neste ano o artista plástico Sérgio Faleiro, que buscou inspiração na obra de Arthur Bispo, ajudou na tarefa. O nome da revista é uma homenagem a um periódico de mesmo nome que circulou na década de 1940, no Distrito Federal, com artigos dos detentos e de pessoas ligadas ao Direito penal.
“Não é rotina”
Representantes da Defensoria Pública, de secretarias do governo e da coordenação da unidade prisional elogiaram a iniciativa e destacaram como a experiência é diferente da rotina do sistema e fundamental para mostrar o lado humano. “Cada mulher que está aqui tem o direito a receber instrumentos para mudar suas vidas, agora e depois que saírem daqui”, destacou a defensora pública Ana Paula Starling.
Ana Paula inclusive foi entrevistada na revista. Quem assina o texto é Laurecy Oliveira Nascimento, que conta que fez de “tudo um pouco” na edição. Ela, que não tinha muito costume de escrever, achou o projeto surpreendente e diz que ele ajudou muito a “injetar ânimo”, não só pra ela, mas para todas. “Uma das coisas mais difíceis aqui é a convivência, superar a primeira impressão é muito difícil”, pontua.
Patrícia Grasiele, autora do rap “Com quem devo ficar”, pede que as pessoas de fora da cadeia também superem suas primeiras impressões sobre quem está dentro. “Muitos nos olham pelos nossos defeitos, nossos erros, mas também temos nossas qualidades”, frisa.
Depois da experiência bem sucedida na PIEP, os organizadores pretendem replicar o projeto em outras unidades no estado.
Edição: Frederico Santana