O programa de TV Fantástico vazou, no fim de outubro, a nova lista suja do trabalho escravo. Prontamente, o Ministério do Trabalho foi obrigado a divulgar a relação oficialmente. Chama a atenção que, dos 131 casos registrados, quase um terço esteja concentrado em Minas Gerais, principalmente na área rural. Minas Gerais lidera o ranking, com 42 casos, seguido pelo Pará, com 16.
Maria Dolores Brito Jardim, coordenadora de Projeto de Combate ao Trabalho Escravo na Superintendência Regional do Trabalho, atribui esse resultado ao esforço de fiscalização e combate à prática em Minas Gerais. “Temos 19 gerências e vários de nós fomos treinados no grupo móvel nacional, trabalhamos em todo o Brasil e temos uma larga experiência. É uma questão de gestão”, defende.
Já Jorge Ferreira dos Santos Filho, coordenador da Articulação dos Empregados Rurais (Adere-MG), acredita que o motivo é a concentração de trabalhadores do campo em Minas. “É o estado que tem mais trabalhadores rurais, em torno de 600 mil, e mais informalidade. Nessa lista suja, um terço dos casos são denúncias da Adere, sendo que 90% dessa parcela são do café”, pontua. Ele afirma que, apesar da alta incidência, a fiscalização é precária e os infratores ficam impunes. “Fizemos denúncia de 12 fazendas da Nestlé. O Ministério Público só pegou duas. Em várias, o MPT nem denuncia ou denuncia pouco, e a Justiça é muito lenta”, critica.
Silvio Neto, da direção estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), acredita que o alto número tem a ver com uma característica da economia do estado.
“Do Centro-Sul para baixo, existem condições para a alta produção e Minas faz essa fronteira e recebe quem vem do Norte e Nordesde. Deslocados de suas regiões, esses trabalhadores que migram estão muito mais vulneráveis ao trabalho escravo”, explica.
Belo Horizonte
A cidade com maior número de empregadores autuados é a capital mineira, com quatro empresas. Três são do setor imobiliário: a AEV Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda, com 19 trabalhadores; a CCM - Construtora Centro Minas Ltda, com 40; a Garra Engenharia e Planejamento Ltda, com cinco trabalhadores. A outra empresa é o Ruby Bar Ltda, no Centro da cidade, com um trabalhador em situação análoga à escravidão.
“Desde 2012, voltamos nossos olhos para a área urbana e a construção civil está em primeiro lugar. Havia trabalhadores trazidos de outros estados e as condições oferecidas eram degradantes”, comenta a Superintendência Regional do Trabalho de Minas Gerais.
Portaria do governo, suspensa pelo STF, ‘regulamentava’ trabalho escravo
A maioria dos casos se dá no trabalho rural. Silvio Neto, da direção estadual do MST, explica que esse predomínio tem razão de ser nas características da produção do campo no Brasil. “O latifúndio e o agronegócio não sobrevivem sem o aporte de recursos do Estado. Neste momento de crise, o Estado limita o aporte e, para garantir as margens de lucro, a saída que encontraram foi a superexploração do trabalho e, consequentemente, o aumento do trabalho escravo. Em segundo lugar, no campo, o Estado brasileiro tem uma limitação em fazer fiscalizações e existe uma cultura da impunidade”, afirma.
A cultura da impunidade ficou mais evidente, segundo ele, com a publicação pelo ministro golpista Ronaldo Nogueira (PTB) da Portaria 1.129, agora suspensa por liminar do Supremo Tribunal Federal. “A portaria chega ao cúmulo de excluir a condição de o auditor autuar em flagrante. Ao detectar indícios, ele tem que notificar o fazendeiro. Com 50 trabalhadores, se o sujeito é notificado a justificar a situação dos trabalhadores, no dia seguinte, os trabalhadores vão aparecer em outra condição ou vão desaparecer. Há muitos casos de trabalhadores que, se comprovado que eles fizeram a denúncia, são mortos. É uma normativa para regulamentar o trabalho escravo no Brasil”, denucia.
Edição: Joana Tavares