Cultura, ciência e tecnologia são principais alvos
Toda ação política dialoga com o passado, altera o presente e modela o futuro próximo. O projeto contrarreformista do governo ilegítimo de Temer, com seu potencial de anular conquistas, interromper processos democráticos e preparar regressões ainda mais radicais, é uma comprovação dessa tripla inscrição no tempo. Além da perda do senso histórico e do impacto imediato na vida das pessoas, salga o terreno.
Os exemplos estão em todas as áreas. Mais recentemente, esse método foi posto em prática no campo das relações trabalhistas, com a derrogação das conquistas da CLT; com a criação de um clima de insegurança laboral e jurídica num mercado em crise; e com instauração da perspectiva de conter a distribuição de renda por meio de salários mais justos e da ação sindical, levando ao aprofundamento da crise econômica. Ou seja, passado de direitos desrespeitados, presente instável e futuro caótico.
O mesmo método se observa na saúde, com a ameaça ao SUS e ao direito universal garantido pela Constituição; com a extinção gradativa de programas fundamentais como o Mais Médicos e Farmácia Popular; e com a intenção nítida de mercantilizar integralmente a assistência por faixas de renda, com a abertura de um mercado de plano de saúde pobre para pobre. Também em três tempos: destruição da mais consequente política pública do país construída pelo engenho do movimento sanitarista e pelo controle social participativo, precarização imediata do atendimento, transformação de um direito em bem (ou mal) de mercado.
Na educação, com reformas que passam por cima da mobilização e do volume de discussão do setor, inclusive com o uso da repressão policial contra estudantes na aurora do golpe; na redução de investimentos e na extinção de iniciativas transformadoras e inclusivas; no apontamento de um horizonte de restrição à criação novos cursos e aberta defesa do setor privado e das ideologias reacionárias e religiosas. Traduzindo na cronologia da destruição, perda do potencial crítico construído pelo pensamento pedagógico nacional, instauração de uma atmosfera de treinamento acrítico para o mercado e abertura do horizonte para a degenerescência da escola sem partido.
O mesmo raciocínio pode ser seguido em todas as áreas às quais se tem levado a sanha destrutiva, ancorada num projeto nítido de esfacelar direitos sociais, dar primazia ao mercado financeiro e avançar na desnacionalização das riquezas nacionais. Em sua condução, o atual governo afronta os três planos de sua falta de legitimidade: ataca o cidadão como portador de direitos, desconsidera a democracia e as formas de expressão popular e retoma o processo de concentração de renda em nome do interesse de classes e do capital internacional.
Ataque também às futuras gerações
Mas de todas as perversidades do projeto em andamento no país, as mais perenes são aquelas que se voltam prioritariamente para a destruição do futuro. A urgência da conjuntura quase sempre convoca a atenção para os prejuízos que estão mais próximos, como a destruição dos serviços públicos, o corte dos investimentos sociais e a precarização das relações trabalhistas. No entanto, é preciso ficar atento para a astúcia da reação. Muitas medidas de hoje miram o amanhã ou o depois de amanhã.
Algumas áreas são especialmente vocacionadas para o futuro. São setores que têm como característica preparar pessoas e estruturas para o desafio da renovação permanente, para o compromisso com a inovação, para a sensibilidade com novos contextos, para o diálogo com ideias originais. Entre essas áreas se destacam a cultura, a ciência e a tecnologia. E não é um acaso que sejam alvos prioritários do projeto conservador: exterminar o futuro é uma forma violenta de garantir a permanência da desigualdade.
Temer vem se esmerando para destruir a cultura. Do ponto de vista objetivo, com o desprestígio do ministério da área, que quase foi extinto em seus primeiros movimentos. A escolha dos titulares da pasta, sempre tocada por interesses políticos imediatos, sem diálogo com o setor, permitiu uma operação de desmonte, que fez de uma área que foi destaque na última década uma repartição que joga contra si mesma, interrompendo projetos tanto na vertente da diversidade quanto da economia da cultura.
Sem maior significação, a cultura se ofereceu ao holocausto da imbecilidade e da censura, por meio de movimentos vindos do subterrâneo do atraso, em conluio com ideologias regressivas, machistas e racistas. Proibição de exposições, condenação sumária dos mecanismos de financiamento, cerceamento do debate público e fraqueza frente às pressões conservadoras são algumas das atitudes mais visíveis. A elas se somam a destruição do tecido vivo da cultura popular na diversidade de sua expressão e a entrega dos mecanismos de fomento aos interesses estritos do mercado.
No caso da ciência e tecnologia, os registros de atentado ao futuro são visíveis na diminuição dos recursos para pesquisa, fato que tem recebido repúdio da comunidade científica mundial. A atitude brasileira foi de tal monta que chegou a provocar manifesto assinado por uma plêiade de detentores do Nobel. Nada menos que 23 ganhadores do prêmio, em diversas áreas do conhecimento (química, física, medicina e fisiologia), alertaram para o risco de comprometer pesquisas e promover êxodo de cérebros entre nossos melhores e mais promissores cientistas.
Num nível ainda mais básico, o corte no projeto Ciências sem Fronteiras, que impulsiona jovens estudantes a compartilhar conhecimento em centros avançados em todo o mundo, chegou ao fundo do poço, com extinção de mais de 90% das bolsas. Para completar, esta semana, o governo federal, por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, ligado ao Ministério da Educação, censurou um artigo científico em seu site, mesmo aprovado pelo comitê editorial. A pesquisa avaliava a proposta de um novo Sistema Nacional de Educação Básica. A proibição revoltou os especialistas do setor.
Com essas atitudes, Temer evidencia seu propósito de perdurar no tempo. Mas seu programa distópico não fica por aí. Por isso aprovou também a limitação de gastos essenciais por 20 anos, tem abrandado as licenças ambientais para contribuir com o impacto ao meio ambiente e se esmerado em entregar o patrimônio estratégico nacional. Ele não quer ser apenas o pior presidente dos nossos tempos. Sua ambição não tem limites.
Edição: Joana Tavares