Professores e estudantes da UFMG acordaram assustados na quarta (6). Chegou a todos, via redes sociais, a notícia de que sete dirigentes e ex-dirigentes da universidade foram conduzidos coercitivamente – presos temporariamente para depoimentos – pela Polícia Federal às 6h da manhã. A ação tem o objetivo de investigar a construção do Memorial da Anistia, segundo a PF. Protestos contra a ação da Polícia ocorreram durante todo o dia.
A Operação “Esperança Equilibrista” realizou a condução coercitiva do atual reitor da universidade, Jaime Arturo Ramirez, da vice-reitora Sandra Regina Goulart, do presidente da Fundação de Desenvolvimento e Pesquisa (Fundep), Alfredo Gontijo de Oliveira, mais duas vice-reitoras e duas funcionárias. Eles foram conduzidos à delegacia sem a presença de advogado.
“Eles não tiveram acesso a nenhuma notificação de que estavam sendo investigados”, relatou Cristina Del Papa, coordenadora do Sindicato dos Trabalhadores nas Instituições Federais de Ensino (Sindifes), “os advogados afirmaram que não conseguiram acompanhar os conduzidos e não tiveram acesso aos autos”, explicou.
A professora da faculdade de Medicina da UFMG, Iola Gurgel, esteve presente à porta da delegacia e afirma estar surpreendida com a PF. “Se eu não estivesse lá, eu não iria acreditar na fragilidade dessa denúncia. Num certo momento a gente perguntou ao delegado qual era a prova concreta de desvio. Ele gaguejou, titubeou e ao final ele citou um livro”, afirmou. A professora questiona ainda porque a Controladoria Geral da União (CGU), que é a responsável pela fiscalização das contas das universidades federais, resolveu passar o processo para a Polícia Federal com tamanha generalidade e sem provas.
A Polícia Federal divulga que as conduções são parte de uma investigação sobre a construção do Memorial da Anistia Política do Brasil, um projeto que se iniciou em 2008 e recebeu um aporte de R$ 19 milhões. A acusação da PF é de que a universidade teria pago, através da Fundep, bolsas a estudantes e outras despesas que não teriam relação com o projeto, totalizando R$ 4 milhões.
Repercussão: “operação é parte do golpe contra democracia”
Logo que as notícias sobre as conduções foram divulgadas, protestos começaram a ser organizados contra a ação da Polícia Federal. Professores da UFMG ficaram à porta da delegacia até a hora do almoço, quando a vice-reitora Sandra Regina Goulart foi liberada, a última ainda em depoimento. No chão foi escrita a frase “A UFMG luta”.
A ação motivou também uma onda de solidariedade de dezenas de entidades, como a União Nacional dos Estudantes (UNE), a Comissão da Verdade de Minas Gerais, a Fundação Maurício Grabois, a PUC Minas, a bancada de deputados do Partido dos Trabalhadores (PT), a Frente Brasil Popular, e entre muitos outras. Oito ex-reitores da UFMG assinaram nota conjunta contra a ação.
A avaliação geral é de que a “escolha” feita pela PF tem um interesse político. Suspeita-se ainda que a ação visa dificultar a posse da atual vice-reitora, recém eleita reitora. No próximo dia 12 seu nome será enviado em lista tríplice para o Ministério da Educação.
A nota da Frente Brasil Popular destacou que a atual direção da Polícia Federal foi indicada pelo governo federal de Michel Temer e “preserva os corruptos”. “A atual operação, conduzida pela PF com apoio de Ministério e da CGU do atual governo federal, tem claro objetivo de desmoralizar a universidade pública, o pensamento crítico, a educação e a pesquisa acadêmica brasileira”, afirma a nota.
Já a nota da Comissão da Verdade de Minas Gerais, que tem seu relatório final apresentado na próxima semana, classifica a ação da PF como um dos “sinais do estado de exceção em curso no país”. “Ao criminalizar uma das maiores Universidades do país abre-se a porta para a criminalização de todo um segmento que não se alinha aos setores autoritários. Nós da Covemg conhecemos bem essa metodologia.”
Depoimento
À noite, o reitor da universidade, Jaime Arturo Ramirez, e a vice-reitora Sandra Regina Goulart estiveram presentes a uma assembleia organizada por professores e estudantes na UFMG. Jaime agradeceu o apoio recebido e declarou-se à disposição para enfrentar a investigação. “A UFMG é muito maior do que qualquer ato arbitrário, ela nunca se curvou e nunca se curvará”, afirmou.
Memorial da Anistia
O memorial pretende reunir todos os arquivos e memórias da época da ditadura militar existentes no país. Belo Horizonte foi escolhida como sede por possuir o projeto de pesquisa República, da UFMG, que reúne o maior número de fotos, livros, documentos sobre a ditadura. O projeto Memorial da Anistia Política do Brasil foi elaborado pela Comissão da Anistia.
Uma manifestação contra as arbitrariedades da PF será realizada no domingo (10), a partir das 10h, na Rua Carangola, em frente ao Coleginho.
Edição: Frederico Santana