Acaba de ser lançado um relatório de quase 2 mil páginas com informações novas sobre como a ditadura militar agiu em Minas Gerais. O documento é resultado de quatro anos de pesquisas e entrevistas realizadas pela Comissão da Verdade de Minas Gerais (Covemg), com o objetivo de recuperar fatos que aconteceram entre os anos de 1946 a 1988.
Em primeiro lugar, um destaque às 1.531 pessoas que foram presas no estado. A secretária executiva da Covemg, Helena Amorim, informa que este é o primeiro levantamento feito na história mineira e demonstra que os motivos das mortes não foram apenas por ideologia política, como popularmente se acredita. Nas prisões, geralmente ilegais, houve camponeses, indígenas e trabalhadores urbanos. “Pessoas que lutavam por sua sobrevivência”, diz Helena.
Muitos números também são inéditos. Foram 17 militantes mortos, 49 mineiros mortos fora do estado, 109 camponeses assassinados, 3109 trabalhadores urbanos reprimidos e incontáveis indígenas perseguidos. As mortes aconteciam pelas mãos de órgãos do governo, das Forças Armadas, das Polícias ou através de assassinatos diretos que tinham a conivência da ditadura, como afirma Helena Amorim.
Torturadores
Foram identificados 125 agentes públicos mineiros denunciados por tortura. O mais citado, e provavelmente com a maior lista de crueldades em seu currículo, é o capitão do Exército Hilton de Paula Portella. Ele é citado 80 vezes.
Ao lado dele, os torturadores mais denunciados foram o delegado Thacir Omar Menezes Sai, citado 69 vezes, o coronel aposentado Pedro Ivo dos Santos Vasconcelos, citado 68 vezes, o ex-empresário e ex-militar Marcelo Paixão de Araújo, citado 66 vezes, e o ex-sargento da PM Leo Machado, citado 62 vezes.
Brasil é um dos últimos países a recuperar a verdade
A repressão não aconteceu só no Brasil. Entre os anos de 1954 e 1990, 13 países da América Latina enfrentaram ditaduras militares, o que significa que 64% da população latino-americana estava sob governos autoritários. Segundo o relatório, isso não é uma coincidência, visto que existiam órgãos estrangeiros influenciando as decisões desses países.
Recomenda-se
A maioria dos países instalaram suas comissões da verdade com a função de investigar, condenar e punir, diferente do caso brasileiro. Aqui, de acordo com o coordenador da Covemg, Robson Sávio, as comissões tiveram autorização apenas para investigar. O relatório de Minas Gerais inovou e cada subcomissão listou suas recomendações práticas aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Algumas das recomendações são a abertura de CPIs, investigações sobre violência policial, sobre a prática de alguns juízes e a divulgação de dados que permaneceram fechados à comissão. Indica ainda a revisão da Lei da Anistia (nº 6.683), a reparação às famílias das vítimas e às vítimas, e punição aos torturadores. Robson destaca também a importância da continuação das pesquisas, pois muitos fatos não puderam ser devidamente apurados.
Balanço sobre o relatório
“O que se tinha antes era uma história circunscrita a Belo Horizonte. Avançamos bastante em relação à história de camponeses e etnias indígenas. Conseguimos apontar que uma série de agentes privados (empresas) colaboraram com a ditadura. Mostramos que o regime militar era muito mais complexo”, analisa Robson Sávio.
Em 13 de dezembro, o relatório foi apresentado à Assembleia Legislativa de Minas Gerais e ao governador Fernando Pimentel (PT), de quem Robson espera medidas efetivas no “comprometimento com a verdade e a memória”, inclusive do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ausente na solenidade de entrega. A Covemg teve trabalho estendido até 8 de fevereiro de 2018.
O que foi a ditadura militar?
Período de 20 anos (1964 a 1984) em que o Brasil foi governado por militares. As eleições para presidente foram canceladas e os políticos eram indicados pelos militares, por isso o nome de “ditadura”. Meios de comunicação eram proibidos de dar notícias contra o governo e pessoas que criticavam essa política eram presas, torturadas ou mortas.
12 Temas
O documento mostra a relação da ditadura com 12 temas: mortes e desaparecimentos, tortura, locais de repressão e tortura, ditadura no campo, repressão aos trabalhadores urbanos e movimento sindical, Igrejas cristãs, povos indígenas, terrorismo praticado pela extrema direita, censura aos meios de comunicação, repressão aos estudantes e o impedimento de crianças viverem com seus pais. Os cinco volumes do relatório estão disponíveis em www.comissaodaverdade.mg.gov.br.
Em janeiro de 2018 o Brasil de Fato publica mais matérias com informações do relatório da Comissão da Verdade de Minas Gerais. Leia parte das informações que integram a primeira matéria, sobre os indígenas:
“Na margem esquerda do Rio Doce funciona agora um posto indígena da FUNAI. Lá dentro, dois cabos da PM e cinco soldados tomam conta do velho Jacó e da velha Sebastiana e de mais 50 índios de todo Brasil, considerados rebeldes. Para o velho Jacó e a velha Sebastiana, não há mais esperanças: só sairão de lá mortos. [...] O significado exato da palavra ‘rebelde’, aplicado aos índios, até agora ninguém entendeu”. Texto adaptado, relatório da Covemg.
Edição: Joana Tavares