Na Alemanha, redução da jornada; no Brasil, trabalho escravo
Os brasileiros que adoram encher a boca para falar do “Primeiro Mundo” devem ter lido a notícia publicada recentemente: Alemanha quer reduzir a jornada de trabalho para 28 horas semanais. Os argumentos, como é próprio dos alemães, são estritamente racionais: garantia de pleno emprego, melhoria das condições de vida e solidariedade social. Afinal, com a jornada reduzida, as pessoas teriam mais tempo para cuidar de si e dos familiares mais velhos.
O capitalismo pode ser acusado de tudo, menos de suicida. Se no Norte global a astúcia de sobrevivência leva a uma maior distensão, é preciso que as raízes do sistema, fundado na exploração do trabalho, sejam exportadas para outras latitudes. A aparente modernidade alemã responde pela necessidade de melhorar seu mercado interno e sua felicidade interna bruta, às custas do deslocamento da injustiça para o outro lado do planeta.
Do lado de baixo do Equador, mais especificamente no Brasil, a discussão sobre o trabalho tem uma pauta medieval. Macaqueando um discurso que não convence mais os países centrais, defende-se uma “modernidade” feita de retrocessos. A chamada reforma trabalhista, na verdade a extinção da CLT, precarizou as relações, impôs jornadas intermitentes, diminuiu a massa de salários, retirou a proteção social e fragilizou os sindicatos. Um programa de extermínio completo.
Para quem duvidava do que estava por trás dessa jornada regressiva, as demissões em massa estão aí para provar. Começaram em universidades privadas e já se espalham para outros setores. Com o falso argumento da regularização, o trabalhador vai precisar se desdobrar em várias frentes para dar conta de amealhar um salário de fome ao fim do mês. Seu dia será formado por horas remuneradas em baixa, cercadas de vazios por todos os lados.
Na mesma levada antitrabalhador, a adiada reforma da previdência espera o momento certo e o acerto do preço do voto dos deputados para completar o golpe certeiro: aumento do tempo de trabalho para aposentaria e diminuição dos proventos, mantendo intocados privilégios e abrindo o mercado para o setor financeiro vender apólices e pecúlios a partir da ameaça de um futuro incerto. O brasileiro, se conseguir trabalho no reino da terceirização, vai precisar ralar mais para ganhar menos no fim da vida. O mais certo é que morra antes de se aposentar.
Ainda no campo do trabalho, não sai do horizonte a perspectiva de conivência com relações análogas à da escravidão. Projetos de flexibilização da definição de escravidão moderna surgem a todo momento, sustentados principalmente pela bancada do agronegócio. Ao primeiro deslize da vigilância de instâncias de defesa dos direitos humanos, a escravidão se reinstala no país, na figura de dívidas impagáveis, condições precárias, liberação de ambientes insalubres para grávidas, retenção de documentos, cerceamento de liberdade e jornadas abusivas.
Sem falar do golpe de misericórdia dado pelo Tribunal Superior do Trabalho, comandado por um carola da ultradireitista Opus Dei, Ives Gandra Marins Filho, que defende que o trabalhador, além de penar com uma corte partidarizada, ainda pague a conta de sua derrota anunciada. Algumas sentenças vêm deixando claro a que vem o TST com a reforma trabalhista: um pelourinho do trabalhador, que ainda paga pelas chibatadas.
Para completar o show de humilhação, o presidente Temer ainda insiste em nomear uma ministra para a pasta, Cristiane Brasil (PTB- RJ) que tem contas a acertar exatamente com a Justiça trabalhista. Indicada pelo pai, Roberto Jefferson, o que já diz tudo, sua nomeação, questionada seguidamente por várias instâncias, seria trágica se não fosse perigosa. Depois de atentar contra o trabalhador, a legislação e a justiça, o presidente agora afronta a própria instituição do Ministério do Trabalho.
Uma elite que detesta tanto os trabalhadores vai julgar no dia 24 deste mês a maior liderança trabalhista da história do país. A sentença em segunda instância da TRF4, sediada em Porto Alegre, pode coroar essa história sem honra, confirmando a sentença de Moro e impedindo a candidatura de Lula. Mas pode marcar um ponto de virada, que já está demorando demais. O patrão da democracia, o povo, precisa mostrar quem manda.
Edição: Joana Tavares