Cantora e compositora, Aline Calixto já teve sua música em abertura de novela, já gravou quatro CDs, já cantou em palco, ocupação, festivais. Ela se prepara para colocar de novo seu bloco na rua, tanto no pré-carnaval como no primeiro dia da folia de Belo Horizonte, capital do estado que sempre carrega consigo. “Em todos os meus trabalhos, sempre gravei compositores mineiros. Porque essa é uma forma que a gente tem de levar essa música para outros lugares”, conta ela, que também leva suas opiniões políticas. Identificada com a esquerda há muitos carnavais, ela defende a diversidade, a democracia, a luta contra o golpe e contra o machismo.
Brasil de Fato MG – Qual sua expectativa para o carnaval deste ano? Conta um pouco sobre seu bloco! Qual o tema deste ano?
Aline Calixto – O Bloco da Calixto já está ensaiando! No sábado (20), já temos pré-carnaval e o bloco sai no sábado de carnaval, em BH, às 14h, no bairro Funcionários. Neste ano, o tema é “só love, só love”. Estamos precisando de mais empatia, mais amor, mais respeito. Precisamos respeitar o direito do outro de amar. O refrão diz: “beijo mesmo, beijo quem eu quiser. Beijo quem me der na telha, seja homem ou mulher”. O amor não oprime, não agride, ele liberta. Neste ano o Bloco da Calixto vai trazer muito amor, em BH e no interior, já estamos com uma agenda em várias cidades.
Você atuou no movimento estudantil, apoia o MST e outros movimentos populares. Como você vê o papel dos artistas nessa conjuntura de retirada de direitos?
Vamos falar abertamente: quem mais perdeu nessa história fomos nós, o povo trabalhador, que viu seus direitos tolhidos de uma hora pra outra. É cada dia um golpe diferente. A situação, ao invés de melhorar, só piora. Eu, enquanto artista, penso que, como conseguimos falar para um público maior, precisamos trazer a verdade, trazer à tona as coisas como elas são. Sofremos um golpe sim. E é importante falar sobre isso. Tínhamos uma presidenta democraticamente eleita, ela foi derrubada, a partir daí houve uma sucessão de perdas, que estamos sofrendo até hoje. Temos um pseudo-presidente, que não nos representa, está só andando pra trás. Mas vamos continuar seguindo em frente, levando a verdade, defendendo os nossos direitos, dos trabalhadores, das minorias, das mulheres, LGBTs, o direito à terra. O MST é um movimento que eu conheço, apoio, e é um dos movimentos mais importantes para a história, não só da América Latina, mas do mundo. É uma luta por direitos, direitos que todo cidadão tem.
Nesse contexto, como você vê o julgamento do ex-presidente Lula na semana que vem?
Tem aquele ditado popular: contra provas, não há argumentos. Mas cadê as provas? A coisa está tão esquisita, tão mal contada, que está gerando revolta. Porque é muita injustiça. A gente tem um ex-presidente que abriu as suas contas, abriu a sua casa, abriu a sua vida e não acharam nada. Mas a gente está unido, do lado da verdade, e pode ter certeza: a justiça do povo, a voz do povo, eles não vão calar!
Você fez parcerias com vários sambistas do Brasil e é uma das representantes do estilo hoje. O que te encanta no samba?
O samba é a música que representa o nosso povo, a nossa história. Se a gente pega lá no passado, no início da história do samba, era um gênero contestador – ainda é, mas era mais ainda – e foi perseguido. Por quê? Porque era música de negro, vinda do morro, não era bem vista pela elite da época. Muito embora hoje ainda aconteçam essas coisas... mas o samba se tornou a música que fala do Brasil para o mundo inteiro. Acho que não tinha outro caminho pra mim, era o samba. Não que eu não cante outros gêneros, mas o samba é paixão que bate fundo no coração.
Você acha que o samba mineiro tem menos reconhecimento do que de outros estados? Como está o cenário hoje?
A gente tem uma cena mineira de nomes que marcaram e fizeram história na música brasileira: Ataulfo Alves, Ary Barroso, Clara Nunes, Geraldo Pereira, João Bosco, Mauro Duarte... o samba de Minas tem história. Naquela época, para se fazer conhecer, esses nomes todos fizeram carreira no Rio, em São Paulo, mas sempre deixaram a marca de Minas, sempre levaram Minas na música deles. E hoje eu vejo aqui uma nova safra de compositores e compositoras da mais alta patente, qualidade espetacular. Não ficam atrás de nenhum lugar não! E acho que o que falta é mais espaços para que a gente possa reverberar o que é produzido em Minas Gerais. Em todos os meus trabalhos, sempre gravei compositores mineiros. Porque essa é outra forma que a gente tem de levar essa música para outros lugares.
Seu 4º disco “Serpente” é um trabalho 100% autoral e autobiográfico e menos agitado, com uso da harpa e outros instrumentos. Como foi essa experiência e qual a sensação de se apresentar assim ao público?
É um projeto especial. O samba está ali, mas com outra roupagem. Como eram músicas do meu universo sentimental, às vezes pesadas, densas – o disco inteiro fala de relacionamentos – quis trazer um som mais leve, uma sonoridade mais branda, para poder tratar desses assuntos difíceis, cheio de espinhos. O disco está em todas as plataformas, disponível para baixar!
O que a fama e o reconhecimento te trouxeram de bom e também qual o lado difícil?
Fama é um negócio difícil. O que é ser famoso, é aparecer na revista, na TV? Reconhecimento, fazer seu trabalho, mostrar pro seu público, ele reconhecer sua arte e se sentir empatizada com ela, é muito gratificante, sabe? É a melhor recompensa. É o que procuro sempre fazer, mostrar minha verdade, o que eu acredito, através da música. Já aconteceram coisas negativas sim. O mundo do samba é muito machista, já passei por maus bocados, tive que ter jogo de cintura para me safar de situações que não eram para acontecer, nos dias de hoje. A humanidade precisa evoluir. Principalmente os homens, que precisam entender que a mulher tem o direito de ocupar os mesmos espaços, espaços de comando, de fala, de poder, de tudo. A gente não pode ser subjugada. Sua arte tem que falar mais que seu corpo. É difícil, mas estamos aí para quebrar essas barreiras. Essa luta não é de agora, e a gente vai continuar.
Edição: Frederico Santana