A saúde é apontada pela população como a principal área a receber investimentos. Em Belo Horizonte, de acordo com pesquisa do Ibope divulgada em 2016, a saúde é o principal problema da cidade para 55% da população, à frente da segurança (13%), educação (7%) e outras áreas. Entretanto, o que se vê no nível federal é a retirada de recursos da saúde pelo governo golpista de Temer (MDB) para financiar o pagamento dos serviços da dívida. De acordo com dados do Conselho Nacional de Saúde, nas próximas duas décadas, por força da Emenda 95, a saúde pública vai perder R$ 415 bilhões. Em BH, governo Kalil passou a priorizar a área, mas adotou um modelo que privilegia a construção de hospitais e os convênios com setor privado, em detrimento da atenção básica e do fortalecimento dos centros de saúde. Esse é o ponto de vista de Bruno Pedralva, presidente do Conselho Municipal de Saúde de Belo Horizonte, em entrevista ao Brasil de Fato MG. Ele indica a luta pelos centros de saúde como prioridade para 2018.
Há um contexto de retrocessos na saúde. Com a aprovação da antiga PEC 55, agora Emenda 95, o SUS tende a perder muitos recursos nos próximos 20 anos. Qual o impacto disso nos municípios?
Cabe aos municípios gerir boa parte dos recursos na saúde. Com as medidas que o governo Temer aprovou no Congresso, a estimativa é de que os recursos para a saúde diminuam de forma muito expressiva. Para se ter uma ideia, estudos do Conselho Nacional de Saúde apontam R$ 415 bilhões a menos para a saúde do Brasil nos próximos 20 anos. Isso significa uma perda de quase 50%. E há outros retrocessos. Um deles, que preocupa todo mundo que trabalha ou usa o SUS, é a saúde da família. As equipes da saúde da família são um avanço no país. Graças aos agentes comunitários da saúde, aos médicos de família, aos enfermeiros de família, às equipes que cuidam das pessoas lá nos postos de saúde, a gente reduziu bastante a mortalidade infantil, melhorou a qualidade do pré-natal. O governo federal mudou a composição dessas equipes, que agora podem não ter seus agentes. Isso tudo somado a uma mudança na metodologia de repassar dinheiro. Agora, o Ministério da Saúde vai mandar os recursos e o municípios vai escolher se ele vai pôr no posto de saúde, no hospital, na vigilância. Então, a expectativa é de que os postos de saúde e as ações de prevenção, por exemplo, de combate ao mosquito da dengue, de fiscalização dos ambientes que produzem alimentos, tenham menos recursos.
Algumas pesquisas apontam que a saúde é a principal preocupação da população de BH. Onde está o maior gargalo dessa área?
O SUS de Belo Horizonte é considerado um dos melhores do Brasil. A gente tem mais de 150 postos de saúde, nove UPA’s, dois hospitais que são diretamente do SUS, o Odilon Behrens e o Metropolitano do Barreiro. Somos referência no parto humanizado, com o Sofia Feldman, vamos abrir a maternidade Leonina Leonor; somos referência das equipes de saúde da família; somos referência na saúde mental, com um trabalho que não interna, não joga o sujeito que tem um sofrimento mental no manicômio, mas cuida dele na comunidade, nos postos de saúde, nos centros de convivência, nos CERSAM’s.
Neste momento, o governo Kalil dá muito mais atenção à saúde do que o governo de Márcio Lacerda, que jogou a saúde às moscas. Demitiram porteiros e funcionários. Agora, o governo novo tenta resolver o problema da falta de medicamentos, ajudar os hospitais com dificuldades financeiras, mas o recado principal é o seguinte: saúde não se faz apenas com hospital. Eles são importantes, mas a maior parte do cuidado em saúde se dá lá nos centros de saúde, com quem está lá na ponta, cuidando das doenças antes que elas virem grandes problemas. Esse tem que ser o maior desafio: cuidar melhor dos nossos postos de saúde.
Kalil disse que não precisava construir nada, que era só fazer funcionar. Mas, infelizmente, isso não se aplica aos nossos centros de saúde. Nós temos centros que estão em situação lastimável, com problemas de estrutura e que precisam de uma construção nova. Precisamos de postos novos, bonitos, bem equipados, com estrutura que possa atender as pessoas da melhor forma possível.
Como está a saúde mental em BH atualmente?
Isto teve um retrocesso no governo Kalil. A saúde mental tem que ser cuidada não em manicômio, não em serviços que internam de forma prolongada, como acontecia em Barbacena. Aquilo foi um holocausto brasileiro: matou muita gente, deixou muita gente presa por anos, afastada de suas famílias, com métodos de cuidado absurdos. Isso não pode voltar!
Hoje em dia, ninguém defende manicômio, mas existe outra forma de tratamento de pessoas com saúde mental e aquelas que têm problemas com álcool e drogas: as comunidades terapêuticas. Na maioria das vezes, são instituições de orientação religiosa, mais do que propriamente de saúde, que deixam as pessoas presas. Esse tipo de tratamento muitas vezes não é melhor do que o tratamento feito com qualidade em um CERSAM, que é o dispositivo que não deixa as pessoas internadas por um tempo prolongado. Então, é mais humano, mais adequado e mais eficiente, quando bem feito.
Recentemente, o governo Kalil lançou um decreto abrindo a possibilidade de o governo fazer um convênio com comunidades terapêuticas. Para o Conselho Municipal de Saúde e muitos movimentos da reforma psiquiátrica, esse tipo de serviço não é o mais adequado. É um absurdo termos dinheiro público financiando iniciativas de grupos privados e religiosos. Os recursos têm que ser investidos para melhorar os centros de saúde e melhorar os Cersam’s.
Qual é a avalição que você faz da política de Parcerias Público-Privadas na saúde?
Não temos a menor dúvida de que o SUS tem que funcionar com qualidade, com eficiência, fazendo os tratamentos de ponta. Esse é o nosso ideal e é isso o que todo mundo quer, os trabalhadores, os gestores e, principalmente, os usuários. Em Belo Horizonte, com a proposta de fazer os serviços de saúde mais eficientes e rápidos, o ex-prefeito Márcio Lacerda fez uma parceria com a Andrade Gutierrez para construir o Hospital Metropolitano do Barreiro e fez uma parceria com a Odebrecht para construir postos de saúde na cidade.
O que vimos na prática? O Hospital do Barreiro foi construído com cerca de quatro anos de atraso e ficou extremamente caro para a Prefeitura de Belo Horizonte. A empresa entrou com um recurso inicial de R$ 180 milhões e, até o final do ano passado, quando o hospital foi aberto, ela já tinha recebido R$ 225 milhões. É um negócio muito generoso com a Andrade Gutierrez e oneroso com o SUS. Nós tivemos demissões de porteiros nos postos de saúde, corte de recursos em medicamentos, demissão de fisioterapeutas, nutricionistas, farmacêuticos. Então, como o cobertor é curto, desvestiram um santo para cobrir outro. Deram dinheiro para a empresa, com taxas de lucro altas, e penalizaram os postos de BH.
No caso da parceria com a Odebrecht, a Prefeitura gastou um tempo imenso negociando com a empresa e, no final das contas, a Odebrecht, como não tem compromisso nenhum com o SUS e o povo da cidade, simplesmente não executou a obra acordada. Foram prometidos 77 postos de saúde e não saiu nenhum por meio dessa famigerada PPP!
Em síntese, as PPP’s foram anunciadas como rápidas, eficientes e mais baratas. Mas, na prática, com o exemplo do Hospital do Barreiro, ela se mostrou um negócio pouco eficiente, as empresas ganharam muito dinheiro e não resolveu o problema. Então, é importante que a população que usa o SUS fique atenta a essa propaganda enganosa de que PPP resolve os problemas.
Quais são as prioridades do Conselho Municipal de Saúde em 2018?
A saúde é um direito popular, um direito social garantido com muita luta. Além de termos conseguido cravar na Constituição que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, também conseguimos estabelecer a participação popular na definição do rumo da saúde no nosso país. Em cada município, estado e no âmbito nacional, existem os conselhos de saúde, que são a forma como a população participa e também fiscaliza as ações de saúde.
Em Belo Horizonte, graças a uma construção histórica muito bonita de mulheres e homens que se dedicaram ao nosso SUS, temos diversos conselhos de saúde. Temos, em cada bairro, uma comissão local que se reúne pelo menos uma vez por mês para avaliar como as coisas estão, fazer sugestões, arregaçar as mangas para as coisas funcionarem bem, fiscalizar. Temos conselhos distritais em todos os distritos da cidade e conselhos nos hospitais, como o Hospital das Clínicas, o João Paulo II, o Metropolitano do Barreiro, Odilon, Júlia Kubistchek, Risoleta. Tudo isso é congregado pelo Conselho Municipal, que tem representações de todos os segmentos: usuários do SUS, usuários representando movimentos de moradia, mulheres, trabalhadores da telecomunicação, metalúrgicos, professores, trabalhadores do SUS, enfermeiros, técnicos, médicos, gestores. Temos uma rede muito bonita de participação popular e contribuição na fiscalização e definição dos rumos da saúde.
Convidamos toda a população a participar dessa luta. O SUS é nosso e ninguém tira da gente. Mas, para que ele realmente se efetive, nós temos que participar. Todo mundo que puder participar procure seu centro de saúde, a data da reunião, se some a essa luta e às ações do conselho na cidade: plenárias, manifestações, abaixo-assinados.
Nossa prioridade é lutar pelos centros de saúde, que nos últimos quatro anos ficaram esquecidos pela administração municipal. Nós não tivemos quase nenhum centro de saúde construído. Prometeram 77, construíram nove. O número de equipes da saúde da família não aumentou, faz quatro anos que não se implementou nenhuma equipe nova. Isso gera sobrecarga, diminui a qualidade dos serviços. Sem contar a falta de medicamentos, de insumos, seringa, curativo, outros equipamentos, e também a falta de segurança nos centros de saúde. Foram demitidos porteiros, retirada a guarda municipal e houve um boom de violência. Acontecem muito mais episódios violentos nos centros de saúde e UPA’s. Então, é prioridade para o controle social, o movimento de saúde na cidade e o Conselho Municipal a luta pelos centros de saúde, a atenção primária e para que o SUS funcione melhor na ponta.
Esta é a única solução para resolvermos a situação da nossa cidade. Se a base, a prevenção, os cuidados mais primários, o cuidado das doenças mais comuns não acontecerem no dia a dia, não adiantam hospitais, cirurgias, etc. Essa é a prioridade de todo mundo que gosta do SUS.
Edição: Joana Tavares