“Os militares cometeram a burrice de me prender”, brinca o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele foi preso pela ditadura militar duas vezes, uma em 1980 e outra em 1981, por estar à frente de greves por melhores salários. A sua segunda prisão, que o encarcerou por 31 dias, foi a faísca que reacendeu a greve em São Bernardo do Campo, que já durava 17 dias e estava em vias de finalizar.
O fato foi relatado por Lula à Comissão Nacional da Verdade e mostra que a perseguição a dirigentes sindicais não é coisa nova no Brasil. Segundo a Comissão da Verdade de Minas Gerais (COVEMG), que lançou seu relatório final no final de 2017, pelo menos 3.109 trabalhadores do nosso estado sofreram repressões durante a ditadura militar. A pesquisa foi feita através de documentos e entrevistas com as vítimas.
A repressão militar às organizações sindicais, dirigentes sindicais e trabalhadores chegou a 105 cidades mineiras, dando a ideia da capilarização da repressão. Belo Horizonte foi a cidade com mais pessoas atingidas por Inquérito Policial Militar (IPM): 730. Depois, Nova Lima, com 175 pessoas atingidas; Juiz de Fora, 158; Uberlândia, 148; Coronel Fabriciano, com 69 atingidos e Cataguases, com 67 perseguidos.
Os crimes cometidos pelo governo militar e detectados pela COVEMG vão desde intervenções em sindicatos, até demissões, perseguições, torturas e assassinatos. “Os tipos difusos de coerção também produziram, além de prejuízos materiais e sociais, danos à saúde física e emocional dos trabalhadores atingidos, derramando-se para os seus familiares, amigos e companheiros de trabalho”, informa o relatório.
Esposa conta a história de Virgílio
“Quando eu olhei para ele, comecei a chorar de pena de ver. Ele estava com um febrão”, diz Tereza, esposa de Virgílio Faustino Salomão, “todo vomitado, todo sujo”. Na ocasião, Virgílio estava sendo entregue em casa pelos funcionários do governo militar, que o tinham prendido quatro dias antes e o levado ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Lá, Virgílio sofreu brutais agressões, incluindo violência sexual.
A acusação contra ele era a sua atividade sindical em João Monlevade na Companhia Siderúrgica Belgo Mineira, onde trabalhava e foi forçado a pedir demissão. A COVEMG classifica a prisão de Virgílio e de centenas de trabalhadores como “investigativa”, em que o governo usava métodos de tortura para “extrair informações e forçar delações”. Já outras prisões teriam acontecido de forma “preventiva” para retirar os dirigentes de circulação e anular sua ação política.
Ao todo, informa o relatório, o regime militar interveio em 1565 sindicatos e atingiu 10 mil dirigentes sindicais em todo o país.
Ataques aleatórios
O jornalista e coordenador da subcomissão sobre Trabalhadores Urbanos, Jurandir Persichini Cunha, lembra que também houve prisões que não tinham motivo determinado. “Eles tentaram tirar informações de mim, não com inteligência, mas com ignorância”, conta, lembrando dos três dias de tortura em Ipatinga, onde foi preso, e os outros 10 dias no DOPS. “Fiquei dias sendo torturado para arrancarem notícias sobre um plano que não tinha pé nem cabeça”.
MARCANTE | Fatos que merecem ser destacados
Massacre de Ipatinga O conflito entre um funcionário da Usiminas e um policial instaurou um clima de abuso de poder por parte dos PMs, que, segundo depoimentos, realizaram inúmeras agressões e prenderam 300 pessoas que moravam nos alojamentos. No outro dia, 7 de outubro de 1963, trabalhadores se aglomeraram em frente à fábrica e, depois de horas de tensão, um tenente teria dado ordem de atirar e a metralhadora da polícia atingiu oito pessoas mortalmente, além de ferir outras dezenas.
Grande Greve de Contagem Em 1968, os trabalhadores da Companhia Siderúrgica Belgo Mineira (sessão Contagem) entraram em greve por melhoria de salários. A greve envolveu 20 mil funcionários, de 10 fábricas, e terminou com vitória dos operários. O governo teve que anunciar o aumento de 10% a todos os trabalhadores do país.
5 mortes em Nova Lima Os trabalhadores da Mina Morro Velho (Nova Lima) têm grande histórico de greves. Em 1948, a repressão feriu uma pessoa e matou quatro. Um ano depois, mais uma morte, do dirigente José dos Santos “Lambari”. Em 1949, 51 trabalhadores foram processados e em 1964 outro processo contra 163 operários.
Comissão orienta a construção de monumento, homenagens e ensino do Massacre de Ipatinga nas escolas
Depois de dois anos de pesquisas em 12 temas, a Comissão da Verdade MG faz uma série de recomendações para restaurar a verdadeira história de 1964 a 1988. Para a subcomissão sobre Trabalhadores Urbanos, orienta-se aprofundar as investigações sobre algumas das vítimas e agraciar com a Medalha da Inconfidência, honraria dada pelo governo de Minas, as 14 pessoas executadas e feridas em 1948 e 1949, 51 trabalhadores processados como “sabotadores”, 176 pessoas atingidas pelo IPM n 87, 10 pessoas atingidas no APM, o sindicalista João Paz Rocha, o deputado estadual José Gomes Pimenta, o jornaleiro Jacob Francisco Rosa, Adilson Guimarães, Agildo Guimarães e Iguatemy Corrêa.
No quesito homenagem, orienta ainda a construção de um monumento em Nova Lima, na Praça Bernardino de Lima, em memória aos trabalhadores vítimas da ditadura.
Na área da educação, a COVEMG destaca a importância de difundir a história do Massacre de Ipatinga, com a inclusão do tema nos projetos pedagógicos dos cursos de Educação Básica e licenciatura.
O Brasil de Fato está publicando uma série de matérias sobre o relatório da Comissão da Verdade de Minas Gerais, leia a primeira e a segunda.
Edição: Joana Tavares