Maria Aparecida Rodrigues de Miranda, secretária executiva do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais (CONSEA), explica a nova política de Segurança Alimentar que foi aprovada no estado, uma revisão da lei que está em vigor no país. Ela analisa o que foi feito no setor até agora, quais as diferenças da legislação estadual e nacional e qual a importância dos investimentos no setor para a economia e desenvolvimento do Brasil.
Brasil de Fato - Primeiro, o que é Segurança Alimentar?
Maria Aparecida Miranda - É a promoção do direito humano à alimentação adequada. Ela ganhou esse status de política pública a partir das ações governamentais construídas pelo governo Lula, que instituiu em 2006 a Lei 11.346, que estabelece as diretrizes do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN). É uma política que veio para reconhecer os programas que já existiam, fortalecê-los e colocá-los dentro da perspectiva de direito humano universal. Vou exemplificar: a alimentação escolar já era um programa existente antes desta lei, mas com a formulação da Segurança Alimentar, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) foi aprofundado.
Com isso, o que se chamava antes de “merenda escolar” foi nomeado de “alimentação escolar”, a agricultura familiar foi incorporada ao projeto – o que diminuiu o consumo de alimentos com agrotóxicos –, foram definidas as necessidades de fornecimento de todos os nutrientes necessários para os alunos, assim como foram criados novos parâmetros nutricionais. Com a garantia de alimentos sem agrotóxicos, a agricultura familiar foi fortalecida e também houve a promoção do desenvolvimento e da economia local, porque o governo passou a comprar dos pequenos produtores. Isso gerou a inclusão econômica de um grande número de pessoas que estavam marginalizadas.
O Bolsa Família, por exemplo, foi um programa muito importante nessa composição geral. Ele saiu do assistencialismo para ser um distribuidor de renda com forte componente na promoção da segurança alimentar. Isso porque a maioria das famílias, que é muito pobre, não tinha acesso aos alimentos. Com as condicionalidades envolvendo educação e saúde, aumento da renda e mais essa garantia ao alimento saudável, elas passaram a se alimentar melhor. Todas essas ações são exemplos de como a Segurança Alimentar atua.
Percebe-se, então, que são avanços que acontecem desde o governo Lula, em âmbito nacional. O que esta nova política de Segurança Alimentar de Minas Gerais traz de diferente da antiga?
No âmbito do Estado, aconteceram decisões muito importantes. O sistema de Segurança Alimentar é diferente dos outros, como a saúde, por exemplo, porque ele não tem um fundo próprio. É uma política intersetorial, dividida por cada setor – uma parte no meio ambiente, outra na agricultura, outra nos recursos hídricos, etc.
Por isso, quem executa a Segurança Alimentar na prática são os órgãos constituintes, as secretarias de governo. Ou seja, porque as ações de Segurança Alimentar estão descentralizadas, entende-se que quem deve financiá-las são os planejamentos de cada setor. Só que a novidade é que nós reconhecemos que precisamos agir juntos, intersetorialmente. Então, a nova política estadual prevê um Plano Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (PLESANS) que vai organizar todas essas iniciativas que estão espalhadas para garantir que o direito humano à alimentação saudável e adequada seja cumprido.
Ela define claramente quais são os órgãos constituintes e atribui funções para cada um destes componentes. Isso define com clareza como os municípios vão poder participar do sistema. Outra coisa é que ela também garante a participação social na proposição de ações da Segurança Alimentar. E outra muito importante é que a revisão da lei incorporou o conceito de Soberania Alimentar, que não estava muito claro na lei de 2006.
A Soberania Alimentar é o direito de um povo definir de que maneira serão produzidos os seus alimentos, para quem eles serão produzidos e quem terá prioridade na política alimentar.
Essa política de Segurança Alimentar estadual tem vários objetivos amplos, como garantir o direito à água, acesso à terra, entre outros. Quais são algumas das estratégias para alcançar esses objetivos?
As Conferências de Segurança Alimentar são o primeiro passo. Elas orientam quais são as prioridades, objetivos e estratégias das ações. Na última nacional, que teve o tema “Comida de verdade no campo e na cidade: por direitos e soberania alimentar”, definimos que gostaríamos de reduzir os agrotóxicos, fortalecer a agroecologia e, inclusive, promover o acesso à terra e à água.
No acesso à água, por exemplo, é fundamental que enfrentemos a pobreza no campo – um plano com etapas já está sendo analisado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) –, e aí a ideia é trabalhar de forma específica na região do semiárido mineiro, pegando territórios do Jequitinhonha, Rio Doce e Mucuri, muito acometidos pelos problemas da seca.
Para a agroecologia, uma das estratégias é dar incentivo às cooperativas para que agricultores e agricultoras tenham maiores condições de acessar o mercado institucional. Mas a gente também precisa adaptar as normas sanitárias, que estão na área da saúde, para que a agricultura familiar possa fornecer alimentos industrializados de origem animal e vegetal.
No acesso à terra é preciso garantir parcerias para que haja, no futuro, uma maior distribuição de terras. Ou seja, são estratégias intersetoriais, que devem ser feitas em conjunto para os objetivos em comum.
Pode-se afirmar que a comida saudável é indispensável para o desenvolvimento de um país e de um povo?
Sem dúvida. É fundamental para a soberania de um povo. Porque na base da alimentação saudável está o reconhecimento do pequeno agricultor, do camponês, do quilombola, das populações que vivem em comunidade, do índio. Essa população é quem tem proximidade, é quem se relaciona com os recursos naturais de forma respeitosa.
É ela que usa mas deixa para as próximas gerações, assim como deixa tradições. A Soberania Alimentar de um povo está relacionada às condições de acesso aos meios de produção e aos recursos naturais. Nós podemos usar isso de forma harmoniosa ou predatória, e o agronegócio é predatório.
Hoje, nós já vemos que grande parte das doenças já estão sendo atribuídas a uma alimentação envenenada, contaminada. Perdemos nossas características para a indústria, para o negócio do alimento e precisamos rever esse modelo.
Edição: Joana Tavares