Após a tragédia de Mariana (MG), em novembro de 2015, diversos institutos e movimentos passaram a acompanhar a saúde da população da Bacia do Rio Doce. Um deles foi o exame de sangue e urina em 11 pessoas do município de Barra Longa, que surpreendeu ao mostrar que todos apresentaram alto nível de níquel. A substância é capaz de causar doenças de pele, queda de cabelo e outras ainda desconhecidas.
O exame, feito pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP) e divulgado na última semana, mostra ainda que 3 pessoas têm arsênio no corpo além do limite saudável, 5 tem arsênio no limite máximo e 10 possuem zinco abaixo do necessário. A primeira coleta foi em 2017 e a segunda coleta, que se iniciou em fevereiro deste ano, já foi feita em duas crianças.
Segundo a médica Aline Bentes, da Rede de Médicos e Médicas Populares, o mais preocupante é a alta presença do arsênio, que em pequenas quantidades já pode causar insuficiência do rim, doenças no fígado, dermatológicas (anemia, plaquetotenia) e doenças neurológicas graves, como psicose, demência, delírio. A alta do níquel tem relação com doenças de pele e queda de cabelo, enquanto a baixa do zinco pode afetar o sistema imunológico. Uma vez intoxicadas, as pessoas devem ter acompanhamento médico por toda vida, pois não se sabe os resultados destas substâncias ao corpo.
Crianças em estado grave
Sofya, de 3 anos, apresenta dificuldade para respirar, manchas vermelhas, queda de cabelo e outros sintomas. “Tem dois anos e quatro meses que eu estou denunciando estes problemas de saúde. A lama chegou em Barra Longa no dia 6 de novembro de madrugada e no dia 6 mesmo a minha filha começou a apresentar sintomas”, conta Simone Aparecida, mãe de Sofya. “Ela ficou um mês e meio com diarreia, começou a apresentar manchas no corpo. Eu tenho pedido socorro, porque essa é a palavra exata: socorro”.
Simone denuncia que procurou a Prefeitura de Barra Longa e a Fundação Renova, organização controlada pela Samarco e que deve auxiliar a população atingida, mas não recebeu ajuda. “Um funcionário da Samarco, da Renova, me chamou de louca. Me mandou procurar um psiquiatra, mas agora a prova está aí. Neste dois anos e quatro meses eu tenho lutado para que a minha filha seja reconhecida como atingida e nada, e não só a Sofya, é uma população inteira de Barra Longa”, diz com muita indignação.
A segunda examinada foi Thainá, de 16 anos, que também apresenta arsênio quatro vezes mais alto que o saudável. As casas de ambas não foram inundadas pela lama da barragem e nem perderam bens e, por isso, a Fundação Renova não as considerou atingidas, assim como a maior parte da população.
“Retirada imediata do local de risco”
Documento da Assessoria Técnica dos Atingidos e Atingidas pela Barragem de Rejeitos da Samarco, que acompanhou os exames, relata que as meninas foram medicadas no ato do exame, em São Paulo, para diminuir crises respiratórias e tratar a anemia de Sofya. As médicas recomendaram também “a saída imediata de Barra Longa”. As mães confirmam que as dores, a alergia e irritação de pele recomeçaram assim que voltaram à cidade.
Dores, tosse e insônia
Apenas 11 pessoas fizeram os exames, mas grande parte dos atingidos queixam dos mesmos sintomas. O Instituto Saúde e Sustentabilidade em parceria com o Greenpeace entrevistou 507 pessoas de Gesteira e Barretos, dois distritos de Barra Longa. 37% das pessoas responderam que sua saúde piorou depois do desastre. Destes, a dor de cabeça, tosse e dor nas pernas foram os mais recorrentes. Dentre as crianças, as doenças respiratórias foram 60% das suas reclamações.
Os sintomas emocionais ou comportamentais são ainda mais recorrentes: 83% afirmaram tê-los. 37% declara que seu maior problema é a insônia, 22% tem preocupação ou tensão, 18% sente-se triste, 18% assusta-se com facilidade, 10% passou a ter dificuldade para tomar decisões, 10% apatia e 9% sonolência. Além disso, observou-se não haver diferenças entre os sintomas das pessoas expostas diretamente à lama e pessoas expostas indiretamente.
Além disso, o atendimento médico na cidade tem sido questionado. Profissionais foram contratados pela Fundação Renova para atuar no Sistema Público de Saúde (SUS), como uma das obrigações da Samarco com a população. Porém, atingidos relatam que não conseguem laudos que relacionem as doenças à lama, ainda que esteja explícito, e que médicos tem sofrido pressão da mineradora.
Letícia Oliveira, do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), garante que a Samarco está presente dentro das prefeituras de Mariana e Barra Longa. “Desde o rompimento da barragem, as empresas contrataram profissionais para trabalhar para dentro das prefeituras. Quem paga e faz o contrato, que é cancelado e renovado de três em três meses, é a Fundação Renova”, conta. De acordo com Letícia, dentre 20 profissionais da saúde de Barra Longa, 3 seriam contratados pela Renova.
Análise em toda a população
Os exames das 11 pessoas foram entregues ao Ministério Público, à Secretaria de Saúde de Barra Longa e serão encaminhados à Secretaria de Saúde de Minas Gerais. O MAB defende que os órgãos se responsabilizem pelos custos e que todos os atingidos diretos e indiretos tenham a possibilidade de fazer o exame sobre metais pesados, com prioridade para Barra Longa que foi a única cidade que teve sua área urbana inundada.
O movimento requer também uma assessoria técnica independente (não vinculada às mineradoras e à Fundação Renova), com a inclusão de profissionais da saúde. “Os criminosos não têm que cuidar da vítima. Eles têm que pagar, mas quem executa são os órgãos independentes e o governo”, reafirma Letícia, “senão os atingidos não terão segurança de que os resultados serão verdadeiros”.
Edição: Joana Tavares