Misael Avelino era um garoto muito curioso e apaixonado por rádio. Um dia, descobriu numa banca de jornal uma revista que a cada edição trazia como brinde uma peça para que o leitor montasse um transmissor de rádio. Demorou 8 meses, mas Misael conseguiu juntar as peças e montar o aparelho.
No início, em 1976, o alcance do transmissor era de apenas 50 metros. Mas a vontade e a esperteza dos meninos do morro eram tão grandes que eles conseguiram destravar o transmissor para emitir o áudio em longa distância. Assim começou a história da Rádio Autêntica Favela FM, com um transmissor desbloqueado, um toca-fita de rolo e um fone de ouvido. Em 2002, depois de muita luta, veio a outorga e ela incorpora o novo título no nome: “Rádio Educativa Favela FM 106,7”.
A história da Rádio Favela já foi vencedora de prêmios e também ganhou as telonas. Em 2002, o diretor Helvécio Ratton levou a trama da rádio para o filme “Uma onda no ar”. Driblando as interferências no sinal e o orçamento apertado, a rádio, além de falar para toda Belo Horizonte, a programação também chega aos ouvintes de Contagem, Santa Luzia e Lagoa Santa.
Confira abaixo os principais trechos da conversa com Misael, o fundador e coordenador da rádio, que fica no Aglomerado da Serra, região sul de Belo Horizonte.
No pé do abacateiro
"Na minha casa não tinha nada, e eu era louco com um rádio. Quando eu completei 13 anos, falei para os meus amigos: 'Eu vou ter uma rádio!'. Todo mundo deu risada. Quando eu fiz 16 anos, conseguimos montar uma rádio. E daí pra frente eu viciei! Desde 1976 eu mexo com rádio e desde lá a rádio Favela está no ar".
"A nossa antena ficava no pé do abacate [que até hoje existe no quintal da Rádio Favela]. A gente colocava a antena num bambu de 7 metros; de dia escondíamos o bambu na árvore, à noite a gente subia no abacateiro com o bambu na mão. Naquela época nem todo lugar da favela tinha energia elétrica, então para fazer o transmissor funcionar a gente conseguiu duas baterias de uns tratores que estavam fazendo uma obra aqui perto".
"Durante o dia, a gente ia anotando tudo o que acontecia na comunidade e, à noite, no horário da Voz do Brasil, entrávamos no ar e falávamos tudo. A gente denunciava os problemas, falava das reclamações dos moradores... Nós entrávamos no ar às 19 horas e ficávamos até 1 hora da manhã com esse boletim".
Prisão e perseguição
"Quando começamos, era época da ditadura militar no Brasil. Os militares ficavam dentro do morro procurando a gente, todo mundo sabia onde a gente estava, mas nenhum morador entregava. Eles perseguiam a gente e quebravam todos os nossos equipamentos. Aí virou vício. Eles tentavam quebrar, a gente resistia, tentavam quebrar e a gente resistia. Foi indo até eles entenderem que o nosso direito tinha que ser respeitado. Se eu fosse responder por todos os processos em que fui indiciado cumpria 32 anos de cadeia".
Fim da ilegalidade
"Em 2002, nós conseguimos uma cessão definitiva do governo federal, como canal educativo. Mas na verdade isso foi meio que um presente de grego. Nós havíamos pedido a cessão comercial, para que a rádio pudesse veicular anúncios durante a programação e assim garantir nossa condição financeira, mas com o canal educativo nós não podemos anunciar nada comercialmente. Hoje a rádio sobrevive com parcerias e apoio cultural".
Resistência
"No morro, a população não tinha voz. Não tinha internet, até hoje tem lugares aqui que esse serviço não funciona, então o povo procurava a gente para colocar a boca no trombone. Quando a gente começou a entrar no ar, tinha uma rádio comercial aqui no morro, mas eles não falavam com o povo. Os trabalhadores de lá compravam lanche no mercado da favela, mas no ar só davam bom dia para os moradores do Belvedere. Por isso que a gente precisava ter uma rádio, para dar bom dia para nós mesmos! Falar para o nosso povo, de favela para favela!".
Edição: Joana Tavares