Márcia é do tipo de mãezona boa de papo. Aquelas conversas que demoram porque sempre tem um sorriso para responder às perguntas e a transparência de se revelar “não ser santa”, mas que está sempre em busca de ser uma pessoa melhor, principalmente pelo exemplo do pai. Nascida nas proximidades de Periquito (região leste de Minas Gerais), em casa não tinha televisão, então desde sempre acompanhou os pais nas pescas realizadas nos barrancos do rio Doce e de outros rios da região como o Corrente Grande. Assim, foi um processo orgânico até que ela se tornasse pescadora profissional e começasse a vender seus peixes para serem servidos como petiscos em bares da região.
Segundo Márcia (Márcia da Silva, para os não íntimos), muitos peixes que ela pescava desde criança não existem mais, como a cumbaca (considerado afrodisíaco, diga-se de passagem). Sempre pescando de barranco, com a tradicional linha e vara de pescar ela não sabe porque algumas espécies foram sumindo do rio e após o rompimento da barragem de Fundão, quando toneladas de lixo tóxico caíram nas águas do rio Doce, ela não voltou a pescar, mas ouve daqueles que se arriscam que cada vez mais, menos peixes são vistos no rio. Acostumada à fartura de peixes, ela disse que não quis voltar a pescar e vender por causa de um valor deixado pelo pai: “aquilo que não serve pra mim, não serve pro meu amigo ou meu vizinho”.
Enquanto conversávamos, um dos netos chegou com a conta de luz, a feição de Márcia fechou por um instante. Na sequência emendei o clássico: “é, a luz está um absurdo” (sic), ela sorriu novamente e começamos falar sobre o caos financeiro que a vida dela e do companheiro Antônio se transformou. A Renova não reconhece os pescadores de barranco como atingidos, por não os considerarem pescadores profissionais e sim de subsistência, assim eles não recebem o cartão que dá direito a indenização mensal, comprometendo a renda da família.
Quem já cortou a BR381 acompanhando o rio Doce, a caminho das praias do Espírito Santo, passou por Periquito. A cidade tem uma série de barracas à beira da estrada que vendem principalmente tapetes artesanais, frutas e conservas. Márcia e Antônio também possuem uma barriquinha, que agora tem sido a principal fonte de renda deles. Não quis me intrometer na vida do casal, mas nesse dia a barraca não abriu. Talvez o tempo fechou em casa. Mas eles me levaram para conhecer uma nascente próxima ao Doce e lembraram que, após a passagem da enxurrada de lama, ela foi reconstruída para ajudar até mesmo no reabastecimento da cidade. Lá Antônio carinhosamente ofereceu água fresca para Márcia, e algo me fez suspeitar que no dia seguinte a barraca abriria normalmente.
Edição: Joana Tavares