Em fase da nova e polêmica reforma educacional é válido analisar tal proposta. Para isso, tomaremos como instrumento de nossa análise o método comparativo, que nos permitirá rever o passado em vista de não cometermos os mesmos erros. Assim, nossa comparação terá como pano de fundo a educação no Estado militar (1964 – 1985) em relação às atuais asserções feitas para reforma do ensino médio, apresentada no dia 22 de setembro de 2016, como medida provisória.
Assim sendo, explicitaremos, neste primeiro momento, a teia contextual e educacional do Estado militar. Nesse ínterim, tivemos como objetivo único à hegemonização cultural, visto como a dominação ideológica de uma determinada classe social (dominante) sobre a outra, na qual, fixa seus interesses como os da maioria. Para isso, o Estado tomou a educação como mecanismo de afirmação de seus objetivos capitalistas. Para tal, deu-se uma exaltação da educação, mas em contrapartida não houve um investimento por parte do mesmo, direcionando, assim, à privatização. Ademais, enquanto caminhava-se para o objetivo maior, houve-se uma preocupação em manter o controle da educação, em vista de um desenvolvimento econômico. Assim, podemos denominar essa ação política como ditadura da vigilância, em que, tivemos uma grande repressão exercida sobre os professores e alunos, sendo respaldada na ideologia de segurança nacional anticomunista. Enfim, sucedeu-se a intervenção nas universidades e escolas, isto é, alunos infiltrados em salas de aulas e até mesmo exoneração de reitores civis para nomeações de reitores militares.
Nessa mesma perspectiva tivemos forte influência dos norte-americanos na nova educação delineada pelo Estado. Com a chamada Guerra Fria o Brasil estreitou os laços com os EUA com o objetivo de tornar-se um estado forte por meio do desenvolvimento econômico. Logo, além da tendência à privatização, a educação toma como objetivo a preparação tecnicista, isto é, mão de obra qualificada para responder o crescente mercado. Sendo mais incisivos, colocaram em marcha as reformas universitárias (1968), em que, modificou-se a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) germinando, assim, novas matérias (Educação Moral e Cívica, Organização Social e Política Brasileira e Estudos dos Problemas Brasileiros) com o intuito de difundir o respeito ao Estado. Desta maneira, o Estado atuou de duas formas, a primeira eliminando os movimentos oposicionistas, com justificativas ideológicas baseadas no argumento anticomunista e a segunda, na atitude de renovar a educação com a finalidade de manter o controle das atividades políticas e curriculares, coibindo, ao mesmo tempo, o desenvolvimento de uma escola crítica e democrática. Sem dúvidas, houve revoltas contra o governo como, por exemplo, a passeata dos cem mil, ocorrida em julho de 1968, porém deu-se um fator que amenizou a situação que nada mais é que o aumento do índice econômico, construído numa base política excludente, ou seja, despojando a classe menos favorecida.
Pois bem, tendo firmado os pés no passado podemos, agora, apontar semelhanças na atual proposta educacional para assim, fazermos uma análise eficaz da conjuntura. A reforma foi colocada, a priori, como medida provisória no dia 22 de setembro de 2016 e sancionada no dia 8 de fevereiro de 2017. Fato esse tomado como alvo de críticas, pois fere um dos pilares do sistema democrático que é o diálogo. Essa nova estrutura tem como objetivo aplicar as novas diretrizes para educação, ou seja, alterar o documento que norteia o que deve ser ensinado nas escolas, considerando aqui, o que já está previsto na reforma sendo definida pela BNCC.
Tendo aprovado a nova reforma o objetivo, neste momento, é definir o novo currículo do ensino médio. Já na terceira versão do texto, apresentado no dia 6 de abril de 2018, vemos pontos semelhantes à reforma feita na ditadura militar. No primeiro ponto temos a flexibilização dos conteúdos ensinados, ou seja, nas 13 disciplinas tradicionais ao longo dos três anos. O documento prevê que apenas as áreas de português, inglês e matemática deverão ser indispensáveis, deixando, assim, as matérias como sociologia, filosofia, história e artes como optativas. Por conseguinte, enxergamos uma tentativa semelhante às reformas educacionais feitas na ditadura, onde se cria um perfil mais técnico e profissional visando atender o mercado, em detrimento de uma formação mais crítica e humanizada. Além disso, há propostas com o mesmo teor da vigilância, com o intuito de tolher a construção de um pensamento crítico e opositor ao atual governo, porém sendo apresentadas num uso eufêmico das palavras. A título de exemplo temos o Projeto de Lei (PL) Escola Sem Partido, que tem como argumento base a neutralidade política, ideológica e religiosa do estado contra uma possível persuasão por partes dos docentes. A PL busca impedir uma possível propagação e incitação de preferências políticas e a participação dos discentes em manifestações. Aludindo para o mesmo fim das intervenções militares na finalidade de controlar a construção do pensamento.
Outro ponto é a recente aprovação da proposta apresentada pelo Deputado Raimundo Ribeiro (PPS), na câmara legislativa do Distrito Federal, em que, ressurge a matéria de Educação Moral e Cívica que fez parte do currículo no período educacional da ditadura. Essa traz como base os argumentos já expressos pelo General Costa e Silva, militar e político brasileiro que assumiu a presidência da República no segundo período ditatorial, sendo eles o fortalecimento da união nacional e o sentimento de solidariedade humana, dentre outros. Tudo isso, sendo reforçado pela égide da mídia, a qual, usa-se de seu poder como instrumento de ofuscação cognitiva da sociedade. Dessa forma, podemos ver a disseminação de pesquisas duvidosas sobrevindas concomitantemente com a meta do governo, por exemplo, a pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e divulgada pela Folha de São Paulo que condena as matérias de filosofia e sociologia como culpadas pelo baixo desempenho em matemática. Na qual, é desconstruída pela socióloga e professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), Ana Paula Corti, que afirma que os dados mostrados na pesquisa são falaciosos, uma vez que não há fontes claras que comprovem que essa insuficiência seja proveniente dos demais componentes curriculares.
Dessa maneira, observamos manobras efetuadas, pelo governo atual, que nos remete há um contexto já vivenciado pela sociedade, em que, direitos e conquistas foram feridos pelo autoritarismo e o beneficiamento da classe dominante regida pelo Estado. É fato que nossa educação necessita de mudanças, porém que sejam feitas sob o aporte do diálogo e do respeito para, assim, não cometermos o erro do eterno retorno dos governos sangrentos que cometem atrocidades sejam elas simbólicas ou físicas.
*Vitor Vinicios da Silva é Frade Franciscano e coordenador do núcleo Educafro de Betim.
Edição: Joana Tavares