Do lado de dentro do muro alto da Ocupação Pátria Livre, as crianças andam de bicicleta, conversam na escada, carregam boneca pra lá e pra cá. Elas vivem na mais antiga favela de Belo Horizonte, a Pedreira Prado Lopes, na movimentada rua Pedro Lessa, mas não parece. A liberdade de brincar foi conquistada por essas crianças ao mesmo tempo em que suas mães decidiram lutar pelo direito à moradia.
Em setembro de 2017, dezenas de mulheres organizadas pelo Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD) entraram no prédio de uma antiga fábrica abandonada há duas décadas, com o objetivo de dar uma função ao local e transformá-lo em moradia. “Eu recebo um salário mínimo e ficava sufocada para pagar água, aluguel, comida sozinha”, conta Waleska Pascoal Ferreira dos Santos, que está na ocupação desde o início, com as três filhas.
As mulheres são a grande maioria na ocupação. Segundo Soraia Regimari dos Santos, uma das coordenadoras, pelo menos 90% das famílias são sustentadas apenas por mães solteiras, viúvas ou separadas. Inclusive, diversos maridos desistiram de entrar no prédio no dia da ocupação. “Mulher é mais determinada, mais guerreira, até mesmo por sofrer. A ocupação a bem dizer é feita de mulheres”, conta Soraia.
A situação se repete também nas ruas da Pedreira. O envolvimento dos homens com a criminalidade acontece desde cedo, o que muitas vezes leva à morte, à prisão ou à expulsão da favela. As mulheres são as que, segundo Soraia, passam a sustentar a família sozinhas. “Tem que fazer o possível e o impossível para sobreviver e muitas vezes até ajudar o marido que está detido, sem ter condições ou apoio algum”, lamenta.
Mais protegidos da violência
Por ter tantas mães, uma das principais preocupações da ocupação é com as crianças. O prédio ocupado possui cinco andares, um galpão grande e um terreiro de cimento, também grande. O portão fica trancado e só entram pessoas conhecidas dos moradores. Hoje, as crianças têm um lugar seguro para brincar enquanto sua mãe faz outros serviços.
As moradoras afirmam que o contato com o tráfico era perigoso para meninos e meninas. Os meninos pelo medo de serem atraídos pelas drogas, as meninas pelo assédio sexual. Outra grande dor de cabeça era a violência policial. A Pedreira vive uma guerra com muitas mortes e essas mães temiam que seus filhos fossem violentados ou que sua casa fosse invadida pela PM a qualquer momento, como continua acontecendo na região.
A ocupação abriu também um espaço cultural para a comunidade. O galpão da antiga fábrica foi reformado e se transformou em local de estudo, de organização política, de oficinas de capoeira e de dança. A expectativa é instalar uma cozinha comunitária no local, conforme conta Débora Sá, integrante do MTD. “Tanto para gerar emprego e renda para as famílias da ocupação, como oferecer alimentação de qualidade a preço acessível para a comunidade”, diz.
Jurídico
O pedido dessas mães agora é que a situação se regularize e consigam enfim uma casa para chamar de sua. A próxima negociação aconteceu na sexta (25) entre proprietário, ocupantes e governo estadual. Débora explica que ainda não há pedido de reintegração de posse, mas é preciso continuar a pressão. “O Estado tem outras prioridades, se não pressionar não olha pra nós. Falam muito que a Pedreira é desunida, mas quando a gente está lutando pra resolver os problemas daqui, as pessoas se unem e constroem junto”, diz.
A ocupação fez a creche voltar a funcionar
Em fevereiro de 2017, as crianças já eram preocupação do MTD, que percebeu que a principal reivindicação das moradoras da Pedreira era pelo funcionamento da Escola Municipal Maria da Glória Lommez. A creche estava parada há dois anos, desde que uma pedra rolou da ribanceira para dentro do seu terreno. Com a maioria de mulheres e crianças, o movimento ocupou a creche por uma semana até que a prefeitura firmou um prazo para reforma e volta do funcionamento. Hoje, a escola está em plena atividade.
Edição: Joana Tavares