O debate eleitoral deve seguir seu rumo, com eventos falsamente democráticos
Ano de eleição parece sempre valorizar a política. Infelizmente, não é bem verdade. As eleições chamam atenção para certo tipo de política, sobretudo aquela voltada para os nomes de candidatos mais viáveis e os conchavos de bastidores. A autêntica vida política, em suas artérias mais ricas de sangue participativo e orgânico, fica muitas vezes em segundo plano. O que estamos vendo hoje no Brasil é prova disso. Ao lado das discussões sobre candidaturas, vão se avolumando derrotas e ameaças à democracia e à soberania do país.
A desnacionalização da Petrobras jorra em leilões e medidas entreguistas. A perda de poder de fomento dos bancos públicos reforça a lógica do setor financeiro, rifando a missão desenvolvimentista para fortalecer a especulação. Recursos da educação, especificamente os carimbados para o Fies, são retirados para fazer caixa para o fundo de segurança, numa inversão absurda, que alimenta a violência de amanhã com a indigência da educação de hoje. Em política externa as posições se tornam cada vez menos altivas e submissas aos interesses dos países ditos centrais. Conivente ao recuo mundial em termos de direitos humanos, o país faz vista grossa à barbárie.
A escalada golpista não acabou, é sabido, e a tentativa de inviabilizar a candidatura de Lula é a prioridade da ação reacionária viabilizada pela Justiça. Por isso a defesa do nome do ex-presidente se mantém como a mais justa e correta atitude política. Mas há o risco, nesse momento, de se naturalizar a eventual derrota de outras frentes de luta, em nome de uma estratégia eleitoral, que depois resgataria todos os prejuízos. É preciso manter o potencial de resistência e mobilização popular. Ganhar eleição, 2016 que o diga, não é por si só garantia de exercício da vontade popular.
A perspectiva de uma retomada de um governo em bases populares, nesse momento, terá novos desafios. A estratégia de aposta na distribuição de renda como motor da transformação social mostrou seus limites. A luta de classes não acontece apenas dentro de casa nem diz respeito apenas a relações de consumo, ainda que elas signifiquem um acréscimo importante em termos de dignidade. A vida real se dá na cidade, com suas contradições e grandes disputas. Na “alma encantadora das ruas”, com definiu o escritor João do Rio, embora cada vez mais sem alma e encantos.
Questões como saúde, educação, saneamento, mobilidade, segurança, comunicação, cultura e habitação são sempre tributárias de políticas públicas. Quem entende disso não são candidatos e muito menos planos de governo anódinos. Sempre que houve uma contribuição decisiva nessas áreas, em termos de reais avanços e transformação, se deveu à ação da luta dos trabalhadores. Esse é o trajeto real de mudança: inteligência prática, solidariedade social e mobilização que vem das bases, com sua indispensável exibição de força. Fora isso, é tudo mercado.
O chamado grande debate eleitoral deve seguir seu rumo, com eventos públicos falsamente democráticos reunindo figurões e figurinhas, jogo de cartas marcadas da cobertura midiática e a afetação acadêmica da especulação de analistas. Um arremedo de democracia, que arrisca fazer da eleição o berço e o túmulo da participação popular. O povo, no correr da campanha, entra mais como variável de pesquisas de intenção de voto do que como sujeito histórico. Não há, até o momento, um projeto construído coletivamente, capaz de apontar o rumo para a maioria do povo brasileiro.
Talvez por isso os dias que correm sejam tão propícios ao acirramento da política que extrapola ao momento eleitoral. É preciso ampliar a luta por novos direitos, acirrar os conflitos de classe, radicalizar as estratégias de mobilização popular, aprofundar os debates em torno de um projeto efetivamente popular para o país. Tirar a política do consumo e investir no olho da rua, nas relações sociais intensas, na força libertária dos novos modos de vida. A eleição é uma consequência – importantíssima – dessa atitude. Mas uma consequência.
Edição: Joana Tavares