Há quatro anos, os mineiros assistiam uma das tragédias mais marcantes da história de Belo Horizonte: a queda do Viaduto Batalha dos Guararapes. A alça sul do elevado desabou no início da tarde do dia 3 de julho de 2014, na Avenida Pedro I, um dos principais corredores viários da capital, na zona norte de Belo Horizonte.
A construção integrava o pacote de infraestrutura para receber a Copa do Mundo. A obra estava sob comando das empresas Consol, responsável pelo projeto e Cowan, responsável pela execução. Já a fiscalização da construção deveria ter sido feita pela prefeitura de Belo Horizonte, através da Superintendência de Desenvolvimento de Belo Horizonte - Sudecap.
O laudo do Instituto de Criminalística apontou que o acidente aconteceu por falhas na execução do projeto, como erro de cálculo do bloco de fundação da alça. A estrutura não tinha capacidade para suportar o peso do viaduto, e com a retirada do escoramento os pilares de sustentação cederam.
Quatro veículos foram atingidos com a queda, dois caminhões da obra, um carro de passeio e um micro-ônibus. O acidente deixou 23 feridos e duas vítimas fatais, a motorista do ônibus Hanna Cristina dos Santos e o pedreiro Charlys Frederico Moreira do Nascimento, que conduzia o veículo atingido.
Uma copa depois e nenhuma das vítimas tiveram seus direitos garantidos. Nenhum ressarcimento foi feito e até hoje os réus seguem impunes.
Trauma
Assim que soube da notícia da queda do viaduto, Cristilene Pereira Sena, viúva de Charlys Nascimento, foi para o local do desabamento e ficou lá até a retirada do corpo do marido. O trauma foi tão grande que Cristilene não conseguiu mais frequentar a região do desabamento. Como trabalhava perto do local da queda, ela abandonou o trabalho.
Na época, a Cowan ofereceu acompanhamento psicológico para Cristilene. Ela precisava fazer o tratamento três vezes por semana. No entanto, após dois meses, o acompanhamento foi cortado sem nenhuma explicação. Desempregada, deprimida e com uma família para sustentar, o único apoio que Cristilene recebeu foi da família, de amigos e da ex-patroa.
Passados quatro anos, Cristilene ainda espera pela punição dos responsáveis pela morte do marido. “Eles tiraram ele de dentro da minha casa e mataram ele. Porque esse acidente foi um absurdo! A queda durou segundos e eles estão demorando anos e anos para resolver o que todo mundo vê que está errado. Culpados têm! Nós estávamos juntos há 8 anos. A gente tinha planos para o futuro. Se eu pudesse eu queria ter ele de volta, mas como não tem como o mínimo que eu espero é justiça”, declara.
Impunidade
Após investigações, a Polícia Civil enviou para o Ministério Público um inquérito sobre o caso, indiciando 19 pessoas pelo crime. O inquérito sugeria que os réus fossem julgados por homicídio doloso, ou seja, crime onde há a intenção de matar. Em julho de 2015, o Ministério Público de Minas Gerais entrou com uma ação criminal contra 11 réus, por crime comum, oriundo de um desabamento que resultou em homicídios.
Respondem pelo caso oito diretores e engenheiros da Consol e da Cowan e três funcionários da prefeitura, que atuavam na Superintendência de Desenvolvimento de Belo Horizonte - Sudecap. O processo foi desmembrado porque um dos réus faleceu e outro está morando no exterior. Segundo a assessoria de comunicação do Fórum Lafayette, o caso está em fase final, testemunhas e réus já foram ouvidos. Recentemente foram respondidos novos requisitos para o Instituto de Criminalística, para uma complementação do laudo técnico do processo. Não havendo divergência sobre os apontamentos, o caso segue para o veredito judicial. Se condenados pelo caso, a pena dos réus pode chegar a 12 anos de prisão.
Além da ação criminal do MP, também correm na Justiça ações individuais e coletivas dos moradores dos residenciais Antares e Savana. O complexo com seis prédios, vizinho ao viaduto, também foi afetado pela queda. Os apartamentos foram danificados com fissuras na estrutura, vidros trincados, janelas e portas desaprumadas, entre outros prejuízos.
Paulo Mello é morador do condomínio há mais de oito anos. Ele conta que na sua casa, até o vaso sanitário trincou com o impacto do desabamento. O tatuador gastou mais de 4 mil reais para reparar o imóvel. Ele afirma que não recebeu nenhum centavo de ressarcimento pelo dano e que, além disso, a casa perdeu o seu valor de mercado.
Paulo assistiu à queda do viaduto pela janela de casa. “E eu fiquei deprimido e estressado. Na época a minha filha tinha quatro anos de idade e só falava nisso o dia inteiro. Eu nunca tinha visto uma criança nessa idade só falar em um assunto tão sério. A minha mãe veio embora do exterior de tanta preocupação. Eu espero ser ressarcido financeiramente porque o psicológico não tem jeito. Mas eu não acredito que nossos direitos vão ser garantidos. Já se passaram quatro anos e nada foi feito. Quantas copas mais vamos ter que esperar? Ou vamos cair no esquecimento?”, desabafa.
Ana Cristina Drummond é advogada dos moradores. Ela afirma que nenhum dos processos avançou na Justiça. A única batalha que os moradores conseguiram vencer foi a suspensão da proposta de construção de uma trincheira na região. Além dos danos materiais, ela afirma que os moradores até hoje estão abalados emocionalmente. “Eu consegui o apoio de uma psicóloga voluntária que acompanhou os moradores e fez um laudo sobre a saúde mental das pessoas. O relatório apontou que três moradores tentaram suicídio após o acidente e que vários tiveram o quadro emocional agravado por causa da queda” denuncia.
Corrupção
As obras na Pedro I para receber o sistema BRT de transporte começaram em 2011, com a remoção de famílias para ampliação da avenida. Desde essa época os moradores protestam contra o projeto.
Em 2017, a Polícia Federal divulgou um inquérito que apontou superfaturamento e falhas nas planilhas orçamentárias das obras do sistema BRT, nas Avenidas Pedro I e Antônio Carlos. Segundo a PF, a estimativa é que 36 milhões de reais tenham sido desviados dos cofres públicos. Foram indiciadas pelos crimes de superfaturamento e peculato 17 pessoas, entre elas funcionários da SUDECAP, engenheiros da Cowan e da Consol e servidores da Caixa Econômica Federal.
Além do desvio dos recursos, a alça norte do viaduto que ficou de pé foi implodida dois meses após a queda do elevado, o que custou mais R$ 1 milhão.
Edição: Joana Tavares