“Todas as mulheres trans que eu conhecia não tinham acesso ao mercado de trabalho”
Você já imaginou precisar deixar de ser você mesmo para conseguir trabalhar? Colocar a identidade de lado não é uma necessidade para muitas pessoas heterossexuais. No entanto, é uma realidade gritante para grande parte da população LGBT.
Laura Zanotti, mulher trans de 30 anos, viveu um extenso período da vida ocultando ser quem era para sobreviver. Nascida em São Paulo, a jovem – mesmo antes da transição – só conseguia trabalho em empresas de callcenter, uma atividade que esconde personalidades por trás de aparelhos telefônicos.
Quando mudou para Belo Horizonte, já com nome e corpo femininos, como desejava desde a adolescência, teve que retroceder. Vestiu roupas masculinas, cobriu as mudanças hormonais, o cabelo, e aceitou ser chamada pelo que não se reconhecia. Foi contratada.
"Quando comecei a me identificar como pessoa trans passei por um conflito enorme, principalmente por ver que todas as mulheres trans que eu conhecia não tinham acesso ao mercado de trabalho, tinham que ser garotas de programa. Só restava isso. Me chocou muito", relata.
O novo emprego era também na área de telemarketing. Quatro anos depois, a infelicidade e a insatisfação de fingir ser outro alguém fizeram com que Laura, mesmo com medo, rompesse a barreira de uma vida dupla. Com o apoio de amigos próximos, resistiu por mais um ano e decidiu enfrentar novamente o mercado. Junto com ele, um novo dilema: que rumo tomar?
"Fiz um curso profissionalizante de maquiagem e consegui me manter por mais tempo. A estética e o salão de beleza são trabalhos já estigmatizados para a população LGBT. Eu optei porque era o mais acessível pra mim, mas o padrão precisa ser quebrado. Quando você é trans, são para essas ocupações que as pessoas te direcionam sem nem que você perceba”, afirma.
Agora, Laura trabalha na administração de uma empresa de tecnologia que preza pela diversidade, a ThoughtWorks. Mas até hoje é questionada se “mexe” com cabelo, maquiagem ou tratamentos para a pele.
"A gente passa por várias situações todos os dias, a partir do momento que você sai pelo portão [de casa]. Você pode ter contato com qualquer tipo de coisa, seja no caminho pro ponto de ônibus, no ponto de ônibus, no ônibus. Você tem que lidar com isso, mas até um olhar, por mais simples que seja, machuca. É por isso que, nas vezes que você pode fugir e mudar sua identidade pra que essas coisas não aconteçam mais, você foge”, diz.
Edição: Joana Tavares