Coletivos culturais criticam a complicação, alto custo e discriminação nos processos de obtenção de alvará, principalmente por parte da polícia, em Belo Horizonte. Para debater o assunto, as vereadoras Áurea Carolina, Cida Falabella (Psol) e Arnaldo Godoy (PT) realizaram na Câmara Municipal de BH uma audiência pública para debater os licenciamentos em atividades culturais na cidade. À mesa, estiveram presentes representantes da Prefeitura e dos coletivos.
Discriminação
As iniciativas culturais são formas de garantir direitos reconhecidos na Constituição, no Estatuto da Cidade (Lei 10.257/20001) e outras leis. Por outro lado, de acordo com o Código de Posturas de Belo Horizonte, o poder público municipal pode licenciar essas atividades. Para conseguir alvará, é preciso percorrer um longo caminho, que passa pelo pagamento de taxas, documentação em diferentes órgãos, obtenção de parecer da PBH, aval da Polícia Militar e agendamentos. Tudo isso requer muitas despesas, deslocamentos pela cidade, aquisição de gradil, banheiro químico e outros dispositivos.
Assim, a maior dificuldade recai sobre pequenos grupos sem fins lucrativos, sobretudo os que atuam fora da região Centro-Sul, que não são financiados pelos editais de cultura. Para piorar, eles se queixam do tratamento seletivo do poder público, especialmente a PM. Foi o que aconteceu com o Masterplano, um coletivo que trabalha com música eletrônica, debates e oficinas, ocupando a cidade e questionando a falta de artistas mulheres e LGBT em eventos no Brasil. Elas iriam comemorar seu terceiro aniversário na pista de skate do Barreiro, mas, após um grande esforço, não conseguiram realizar o encontro.
“Contratamos uma empresa especialista em tirar licenciamento, toda a documentação foi obtida, as taxas pagas. Quando levamos o ofício à polícia, eles se recusaram a assinar, alegando que nossa documentação não era verdadeira, que na pista de skate há eventos que são baderna, que desce a população das comunidades, das favelas, que é um caos”, relatou Carolina de Carvalho, integrante do coletivo. Ela lembrou que, em outras ocasiões, quando apresentaram o ofício à PM, foram indagadas se iriam “tocar funk” e, caso isso acontecesse, não seria possível, pois esse estilo musical atrairia o “pessoal da favela”.
Para o músico Gordão Uaiss, do grupo Uai Sound System, o que está por trás dessa conduta é o racismo que se volta contra as periferias. “Nós, que promovemos iniciativas públicas tirando do nosso bolso e, às vezes, procuramos órgãos públicos para ter essa licença, não somos inimigos da cidade, não queremos destruir a cidade e não somos amigos da criminalidade. Muito pelo contrário, estamos potencializando o que há de melhor da arte e cultura, que não é amparado por vocês, principalmente quando se trata de periferia e quebrada”, declarou.
Revisão
A diretora de licenciamento de atividades e posturas da Secretaria Municipal de Política Urbana (SMPU), Helcymara Kutova, esteve presente na audiência. Ela explicou que algumas exigências estão contidas na legislação urbana, como banheiros e outros aparelhos. Já as questões de segurança, como presença de brigadistas e fechamento do evento, são definidas por órgãos de segurança pública, como a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros.
Helcymara também disse que a Prefeitura prepara uma revisão do processo de licenciamento, a fim de torná-lo menos oneroso e mais simples, rápido, acessível e transparente. Entre as mudanças, a regionalização do licenciamento de atividades com até mil pessoas, tornar digitais as consultas e solicitações de local para eventos e rever a cobrança de taxas para pequenos grupos.
“Temos a taxa pelo requerimento, que é um valor fixo. Um evento com Paul McCartney no Mineirão paga exatamente a mesma taxa que qualquer outro evento. Nós não concordamos com isso e já estamos trabalhando nessa proposta com a Secretaria da Fazenda. A outra taxa é do preço público por uso do logradouro. Isso é passível de isenção para eventos com cunho social. A intenção é cobrar só por grandes eventos com fins lucrativos”, explicou. A diretora também se colocou à disposição para atender aos coletivos e buscar um melhor diálogo entre os diferentes órgãos públicos.
Entretanto, os coletivos questionaram o fato de a polícia, ainda assim, ter a prerrogativa de impedir até mesmo quem recebeu parecer favorável da Prefeitura. “Quando você pede à polícia, ela fala que não pode ter o evento pela nossa segurança. Eles prezam tanto a nossa segurança que, quando fazemos a atividade, eles vão lá e reprimem, metem tiro, bala de borracha, porque estão pensando em nossa segurança”, questionou Rafael Morais, do projeto Minha Quebrada. A PM foi convidada para a audiência, mas não compareceu.
Encaminhamentos
A mesa encaminhou por solicitar uma nova audiência, com o fim de acompanhar a revisão do processo de licenciamento, previsto para agosto. Outras propostas foram a inserção da Diretoria de Políticas para Juventudes da PBH na Comissão de Monitoramento da Violência em Eventos Esportivos e Culturais (Comoveec), o diálogo com a Secretaria Estadual de Juventude sobre a violência policial, um posicionamento da SMPU sobre o papel da PM nos alvarás e uma audiência pública, com participação da Secretaria Municipal de Cultura, para debater as demandas relacionadas ao Viaduto Santa Tereza, um dos locais mencionados na reunião.
Edição: Joana Tavares