Enquanto as economias de Minas e do Brasil cresciam, o problema parecia estar sob controle. Na crise, multiplicam-se as dificuldades com custeio da máquina, atrasos e parcelamentos de salários, cortes em políticas públicas. Muitas dessas despesas são direitos adquiridos dos servidores e de toda a população.
Em 2015, logo após assumir a máquina, o governador Fernando Pimentel (PT) promoveu uma análise intitulada “Diagnóstico MG”. O estudo mostrou o crescimento da dívida pública estadual nas gestões tucanas, entre 2007 e 2014, além de 497 obras paradas, sucateamento das escolas, baixo investimento em tecnologia e um gasto anual de R$ 120 milhões para custear a Cidade Administrativa, cuja construção dispendeu R$ 1,3 bilhão.
Na época, o senador Aécio Neves (PSDB) taxou a auditoria de “encenação” e disse: “quem dirige olhando pelo retrovisor corre o risco de bater forte”. Hoje, olhando pelo retrovisor, o candidato Antônio Anastasia (PSDB) diz que a culpa é do governo Pimentel. Este, por sua vez, atribui o caos financeiro às gestões tucanas. A maior parte da imprensa mineira diz que a culpa é dos servidores ativos e inativos. Para economistas, a solução do problema passa, entre outras coisas, pelo fim de renúncias fiscais que comprometem a economia e a saúde financeira de Minas.
Problema antigo
Dados da Secretaria da Fazenda indicam que, nas últimas duas décadas, o orçamento do estado só não fechou no vermelho em 2004, 2005 e 2008 –descontadas as operações de crédito. Desde 2013, a diferença entre despesa e receita está na casa dos bilhões. Para 2018, a Assembléia Legislativa aprovou orçamento com déficit de R$ 8 bi e, para 2019, R$ 5,6 bi. A principal fonte de arrecadação com tributos é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Danilo Militão, diretor do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de Minas Gerais (Sindifisco-MG), afirma que, entre janeiro de 2014 e abril de 2018, a receita do ICMS mineiro cresceu 30%. Em agosto, o governo de Minas arrecadou R$ 4,4 bilhões com tributos e pode fechar o ano com R$ 60 bilhões, além de outras transferências.
“O problema não está na receita, mas na parte dos gastos”, avalia. Ele identifica como gargalos o crescimento do pessoal de segurança pública, resultado de uma política do governo anterior, e a questão da Previdência estadual.
“Havia um fundo para o qual os aposentados contribuíam e esse fundo não existe mais. Então, os aposentados não têm uma fonte de financiamento e o tesouro estadual precisa bancar as aposentadorias”, explica. A fonte de financiamento a que ele se refere é o Funpemg, que o governo Anastasia extinguiu em 2013, e os R$ 3,6 bilhões do Ipsemg transferidos para o caixa único do Estado – outrora destinados a pagar aposentadorias. Danilo acredita que seja preciso recompor esse fundo. “Isso daria uma folga para o caixa do Estado”, defende.
A economista Eulália Alvarenga, integrante da Rede de Justiça Fiscal da América Latina e Caribe, aponta que os governos contabilizam como gasto de pessoal as despesas com terceiros, serviços de consultoria, locações e outros, gerando a falsa impressão de que a culpa é do servidor. Ela também critica as propostas de reforma da Previdência que têm como foco mexer em direitos dos inativos para, supostamente, sanar o déficit.
“Os inativos pagaram ao tesouro durante sua vida profissional e continuam pagando. Se tem segurança jurídica para empresários, por que, para os funcionários públicos, pode-se mudar as regras do jogo a qualquer hora?”, questiona Eulália.
Menos 135 bilhões em 20 anos
Para a economista Eulália Alvarenga, uma grande fonte de perdas é a Lei Complementar 87/1996, conhecida como Lei Kandir. Aprovada no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), essa norma liberou empresas que exportam bens primários e semielaborados de pagarem o ICMS.
Passados 20 anos, estados estão endividados, o setor industrial encolheu e o país depende cada vez mais da exportação de mercadorias de baixo valor agregado – as chamadas commodities – cujos preços caíram nos últimos anos. “A Lei Kandir gerou um prejuízo para as finanças do estado e para a economia. Deixa-se de incentivar a industrialização, que gera valor agregado ao produto mineiro, e o estado perde recursos que eram tributados”, acrescenta Danilo Militão, do Sindifisco-MG.
Minas deixou de arrecadar mais de R$ 135 bilhões em 20 anos, de acordo com a Fundação João Pinheiro. Por outro lado, o estado tinha uma dívida de R$ 87 bilhões com a União e, todo mês, desembolsa mais de R$ 400 milhões para saldar esse débito. Em 2003, uma Emenda constitucional (42) previu compensações aos estados pelas perdas. Em 2016, o Supremo estipulou um prazo de 12 meses para que o Congresso regulamente os repasses do governo federal. Se isso ocorresse, com o abatimento dos débitos, Minas ainda passaria da condição de devedora a credora da União.
Essa e outras renúncias fiscais são o principal vilão da crise financeira do estado e jogam o peso nas costas da população. “Há renúncias que foram dadas para grandes empresas, sem benefício nenhum para a sociedade. Com isso, o Estado aumenta consideravelmente a tributação sobre energia, combustíveis e comunicação. A maioria das commodities mineiras são para exportação e não têm tributação de ICMS. E, na exportação de commodities, há mineradoras que exportam usando paraísos fiscais”, conclui Eulália Alvarenga.
Edição: Joana Tavares