Responsável por abrigar um grande acervo cultural e ambiental, a Estação Ecológica de Arêdes tem atualmente 1.281 hectares, segundo a Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais. Isso corresponde a 1.200 campos de futebol. Imagine que 100 desses campos fossem retirados, o que equivale a aproximadamente 100 hectares da estação localizada em Itabirito, na região Central do estado.
Esse é o objetivo do artigo 84 da lei estadual 22.796 de 2018, em vigor desde janeiro. Um mês depois, foi apresentado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) o projeto de lei (PL) 4. 940, que visa a revogar o artigo da lei. Nesta semana, completam-se dois meses que o PL está parado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da ALMG, primeira etapa no trâmite de projetos similares.
O Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG) é favorável à aprovação do PL e afirma que a lei é inconstitucional, pois desprotege 100 hectares de uma Unidade de Conservação, área protegida pela legislação. Já ambientalistas argumentam que a exploração mineral será o destino da área desprotegida.
Segundo o MP, outra irregularidade do artigo da lei é a forma como tramitou. O objetivo do PL que originou a norma era alterar outra legislação, que institui a Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerários (TFRM).
Nos momentos finais de tramitação, em dezembro de 2017, na Comissão de Administração Pública, o deputado João Magalhães (MDB) apresentou uma emenda ao projeto, que mais tarde se tornaria o artigo 84. Segundo o deputado Antônio Jorge (PPS), autor do PL que visa a revogação do artigo, o volume de matérias à análise dos deputados é muito grande em períodos de final de ano.
Em virtude disso, os parlamentares dispõem de pouco tempo para analisar o teor de cada projeto. “Essa emenda nem sequer foi lida em plenário. Nós aprovamos o corpo do projeto com essa emenda”, explica o autor do projeto, assinado ainda por outros 11 deputados.
“A emenda apresentada e o projeto (que originou a lei 22.796) não têm ligação temática. O MP defende que isso é inconstitucional”. É o que afirma a promotora de justiça e coordenadora das promotorias de defesa do patrimônio cultural do estado, Gisele Ribeiro de Oliveira.
Ela e mais três promotores do MP estadual assinam uma ação civil pública, pedindo à Justiça que declare o valor que Estação Ecológica de Arêdes já possui. Na ação, o órgão afirma que a legislação ambiental atual determina que a alteração de limites de unidades de conservação seja feita mediante lei específica. Ainda segundo Gisele, a área de Arêdes já goza de uma proteção legal, pelos seus importantes atributos culturais e ambientais.
De acordo com o Ministério Público, a estação possui 40 nascentes, 520 espécies de plantas, 21 espécies de anfíbios, 186 espécies de aves além de abrigar ruínas do período colonial. Decretada como estação ecológica em julho de 2010, o espaço é reservado para pesquisas científicas e não é aberto ao público.
“Que o Judiciário possa reconhecer uma situação de preservação que já existe”, completa Gisele Ribeiro, que, junto com seus pares, pedem na ação civil que a prefeitura de Itabirito faça o tombamento da área. A Justiça reconheceu de maneira liminar, temporária, a situação de preservação da área. O processo segue.
Interesses antigos
Tramitam no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) processos de duas empresas mineradoras, cuja pretensão é explorar recursos da área de Arêdes, como argumentam ambientalistas. Informações acessadas no banco de dados do DNPM em julho deste ano mostram que a empresa Sanvicel São Vicente Indústria e Comércio Extrativa Ltda está requerendo uma concessão de lavra. O objetivo é a exploração de ferro.
Outra empresa que também pleiteia a extração de ferro é a Mineração Arêdes Ltda, titular de um requerimento de pesquisa, até a data mencionada. A pesquisa solicitada inclui levantamentos geológicos, por exemplo, a fim de as mineradoras obterem informações sobre o aproveitamento da área desejada.
Informações do banco de dados ainda constam requerimento de outras duas empresas, porém não conseguimos mais detalhes. Não é a primeira vez que a área de Arêdes está em disputa. Em 2014, a Assembleia de Minas promulgou a lei 21.555, alterando os limites da estação. Em fevereiro de 2017 essa lei foi declarada inconstitucional, porque comprometia a função de preservação cultural e ambiental que guarda o local.
Em 2012 tramitou, também na ALMG, o Projeto de Lei 3.311, do deputado Arlen Santiago (PTB), cujo objetivo era tornar toda a área da estação um local para a exploração mineral. O projeto propunha que as mineradoras poderiam extrair os recursos sem licenciamento ambiental. “Impossível vislumbrar, no atual estágio da humanidade, uma vida sem o uso de produtos e derivados dos recursos minerais. E não restam dúvidas de que o Brasil possui expressivas reservas minerais, mesmo em âmbito mundial”, alegava Arlen em seu projeto que vão vingou.
Outras desproteções
A Assembleia Legislativa de Minas também protagonizou a desproteção de outra área, realizada por deputados aliados à mineração, segundo ambientalistas. Maria Teresa Corujo, integrante do Movimento SOS Serra da Piedade conta um caso similar ao de Arêdes.
Segundo ela, após anos na luta pela conservação da Serra da Piedade, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, foi apresentado um projeto de lei na ALMG com a finalidade de delimitar uma área na serra para conservação. O PL foi aprovado e se tornou a lei estadual 15. 178 de 2004.
Originário de um PL do deputado Gustavo Valadares (PSDB), a lei foi alterada dois anos mais tarde por uma outra norma, a 16.133, de 2006. De autoria do então deputado estadual e hoje federal Luiz Fernando Faria (PP), o projeto tinha a finalidade de realizar a doação de um imóvel. Porém, ao longo da tramitação foi incluída uma emenda ao projeto original, com a finalidade de reduzir o tamanho da unidade de conservação instalada anos antes na Serra da Piedade.
De acordo com Ubirajara Oliveira, pesquisador em unidades de conservação da UFMG, tais áreas são relevantes mediante a preservação da biodiversidade e a obtenção de recursos que ela pode possuir. “Essas áreas têm um papel importante para o bem-estar humano, para a manutenção da qualidade da água e do clima”, afirma.
Ele ainda chama atenção para a importância das pesquisas científicas nessas áreas. Como explica, é a partir delas que se pode mensurar o potencial econômico, por exemplo, que possuem. Mas ressalta os custos e benefícios que as atividades econômicas em áreas de conservação poderiam ter. “Algumas espécies podem só existir ali. Nesse caso, o que seria mais vantajoso?”, questiona.
O pesquisador ainda aponta que, atualmente, sabemos muito pouco sobre as unidades. “Tão pouco que talvez elas possam desempenhar funções vitais, que nem sabemos”. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, existem no Brasil 698 unidades de conservação integral, sob responsabilidade dos municípios, estados e da União.
Edição: Joana Tavares