Minas Gerais

LEGISLATIVO

“Negra e periférica: desse lugar que a gente vai construir a política institucional"

Para deputada estadual de MG, é preciso desconstruir a narrativa que apresenta a violência como solução para a crise

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Andréia de Jesus (Psol) é advogada popular e foi eleita deputada estadual em MG
Andréia de Jesus (Psol) é advogada popular e foi eleita deputada estadual em MG - Divulgação | Muitas

A recém-eleita deputada estadual Andréia de Jesus (Psol) é, juntamente com a educadora Leninha (PT) e a assistente social Ana Paula Siqueira (Rede), a primeira mulher negra a conquistar uma vaga na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. A advogada popular, que já trabalhou como empregada doméstica, iniciou sua militância nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e ajudou a fundar o pré-vestibular comunitário Guep – Grupo de Estudos Popular, mantido pelos próprios estudantes. Formou-se em direito, sendo a primeira de sua família a ter curso superior. Milita na luta antiprisional, por reforma urbana e no mandato das vereadoras Áurea Carolina e Cida Falabela (Psol). Confira a entrevista de Andréia ao Brasil de Fato MG.

Brasil de Fato - Como foi sua trajetória até chegar a esta eleição?

Andréia de Jesus - Eu já venho desenvolvendo um trabalho. O processo de resistência começa na infância. A primeira experiência profissional foi como doméstica e meu primeiro espaço organizativo foi na Igreja Católica, com as pastorais e CEBs, com um trabalho político associado à religião. Depois, fiz concurso e fui trabalhar em Ribeirão das Neves [cidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte] como educadora infantil e construí uma atuação com o sindicato, no processo histórico de ser reconhecida como profissional, na categoria dos professores. Concomitante a isso, ajudei a construir o pré-vestibular comunitário, que me permitiu ir para a faculdade, já mais velha, com 30 anos. Na faculdade, conheci as Brigadas Populares, que é a organização pela qual atuo hoje. Lá, temos duas frentes: uma trabalha com direito à moradia e reforma urbana, onde atuam as ocupações urbanas; na outra, acompanhamos as pessoas privadas de liberdade para que tenham o mínimo de dignidade no cumprimento da pena. Depois, meu último espaço de militância e luta política tem sido a Gabinetona, no mandato das vereadoras Áurea Carolina e Cida Falabella, que tiveram uma votação histórica em BH, em 2016.  

E o que representa a sua vitória nessa eleição?

Houve uma renovação na Assembleia, no entanto, uma renovação conservadora. Temos agora esse modelo do candidato que está aí disputando o segundo turno para governador: “não sou político, sou empresário”. A segurança pública foi uma pauta forte entre muitos candidatos que foram eleitos. Mas houve um crescimento da participação das mulheres na Assembleia, passando de 6 para 11, mostrando que há também um reflexo da atuação das feministas no empoderamento das mulheres. A luta do “Ele não” também trouxe uma perspectiva de votos para mulheres, mesmo que não sejam [votos] totalmente de esquerda.

No atual cenário de golpe e avanço da extrema direita, quais os principais desafios da sua atuação parlamentar?

Mulher negra, periférica, chefe de família: é desse lugar que a gente vai construir a política institucional. Mas, diante do cenário de golpe, há um espaço elitizado do parlamento que não mudou muito. Por outro lado, há novas narrativas do conservadorismo. A participação das igrejas evangélicas nesses espaços é algo que precisa de atenção. E o crescimento da violência, como solução para uma crise política e econômica, é algo que precisamos desconstruir. Sobreviver e resistir é algo que já fazemos há mais de 500 anos. O corpo periférico constrói alternativas para sobreviver, mas a desconstrução dessas narrativas pode ser o grande desafio, construir outra política, materializar isso de forma pacífica.

Edição: Joana Tavares