Contrário ao programa Mais Médicos, implantado no país desde 2013, o presidente eleito Jair Bolsonaro afirmou por diversas vezes que queria mudar as atuais regras do programa, afetando o convênio do país com Cuba, que disponibiliza cerca de 8,5 mil médicos para atendimento de saúde nas regiões mais remotas do país e periferias das grandes cidades, onde a assistência médica era precária.
Como resposta, o governo cubano se antecipou e rompeu, na semana passada, o contrato com o governo brasileiro. Com isso, os profissionais do país caribenho, que representam quase a metade do total de 18 mil médicos do programa, deverão deixar o Brasil até dezembro. Cerca de 29 milhões de pessoas poderão ficar sem atendimento médico nos próximos meses, segundo estimativas da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
Os profissionais cubanos atuavam em todas as regiões do país, em 2.857 municípios, e sua saída deve afetar especialmente os municípios do Norte e do Nordeste e as periferias das grandes metrópoles. De acordo com a Organização Panamericana de Saúde (Opas), a maior parte dos municípios onde os cubanos atuam tem 20% ou mais da população vivendo em extrema pobreza. Em 1.575 municípios, ou seja, 28% do total de municípios brasileiros, havia apenas médicos cubanos atuando pelo programa Mais Médicos.
“Tirar essa quantidade de médicos hoje, em torno de 8 mil, é uma catástrofe sanitária. O que a gente vai ver é a fila dos pronto-socorros aumentarem, as poucas unidades onde vão continuar tendo médico vai aumentar ainda mais a demanda”, critica Thiago Henrique Silva, médico de família e comunidade e membro da Rede Nacional de Médicos Populares.
A Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) lançaram uma nota conjunta apelando para o futuro governo que tente reverter a saída dos cubanos. Apesar dos apelos, Jair Bolsonaro reforçou as críticas aos médicos cubanos e disse que eles trabalham como “escravos”. Pesquisa recente mostrou que 85% das pessoas atendidas pelos médicos cubanos afirmaram que a assistência à saúde melhorou com o programa.Em relação ao salário recebido pelos cubanos para atuar no Brasil, Thiago Silva explica que eles não são profissionais liberais, mas sim funcionários de carreira de uma empresa estatal cubana, que repassa pouco mais de R$ 3 mil aos profissionais. O restante é reinvestido no sistema de saúde e educação de Cuba, que é totalmente gratuito para a população, e considerado um dos melhores do mundo.
Entenda as polêmicas e mitos em torno do programa Mais Médicos
Revalidação de diplomas | O Revalida é um exame que reconhece os diplomas de médicos que se formaram no exterior e querem trabalhar no Brasil. A prova é feita tanto por estrangeiros formados em medicina fora do Brasil, quanto por brasileiros que se graduaram em outro país. No caso dos Mais Médicos, os profissionais podem trabalhar exclusivamente no programa por até 3 anos sem precisar prestar o exame, mas devem comprovar a formação médica.
Cuba exporta medicina | Todos os médicos cubanos são funcionários públicos de uma empresa estatal do país. Cuba faz cooperação com 66 países do mundo, inclusive nações europeias. O trabalho começou de forma humanitária para vítimas de catástrofes naturais, como furacões que assolaram o Caribe ou tratamento de doenças como o ebola na África. Com o reconhecimento da excelência do trabalho desses profissionais, outros países começaram a pedir o serviço, mediante pagamento de contrapartidas financeiras ou materiais à Cuba, país que sofre há quase 60 anos com um bloqueio econômico apoiado apenas por Estados Unidos e Israel.
Reposição de vagas | O governo já publicou um edital para repor as 8,5 mil vagas abertas com a saída dos cubanos. A reposição não é tão simples porque a maior parte dos médicos brasileiros não tem interesse de se fixar nas áreas mais necessitadas e remotas do país. No primeiro edital do Mais Médicos, em 2013, das 15 mil vagas oferecidas, apenas cerca de 2 mil foram preenchidas por brasileiros, por isso o governo teve de recorrer aos cubanos, que até agora ainda correspondiam à metade do contingente de médicos que atuam no programa.
Edição: Joana Tavares