Minas Gerais

Análise

Artigo | Para quem serve a corrupção como uma questão cultural?

A corrupção é resultado do interesse privado sobre a riqueza construída socialmente e acumulada no Estado

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
O lucro é a materialização da corrupção enquanto engrenagem, toma do que é produzido pela coletividade
O lucro é a materialização da corrupção enquanto engrenagem, toma do que é produzido pela coletividade - Foto: Reprodução

Por algum tempo se destaca em jornais, revistas, noticiários da tevê e outras fontes de informação que a corrupção está presa a cultura do país. Esta ideia se sustenta apontando a origem da corrupção na relação colônia/metrópole e ao caráter herdado nesta colonização.

Os principais argumentos históricos, e o atual discurso, de que a corrupção está enraizada na cultura política brasileira é um equívoco, reiteradamente reforçado. Como referência neste diálogo, os argumentos publicados em jornais de grande circulação dialogam com as ideias de Christian Edward Cyril Lynch, sobre a formação política partidária descrita; e as ideias de Henrique Meirelles, que aponta a corrupção como decorrente da organização do Estado e a administração pública.

Se há uma convergência entre os textos de Cyril Lynch e Meirelles é que a expressão da corrupção passa pela usurpação predatória da gestão pública e que as relações de poder estão na apropriação do público para interesse privado. Esta ótica é de fato aceitável. Porém o que não se pode é aceitar o argumento que a corrupção existe em função de má gestão dos governos, e muito menos em razão do caráter do povo brasileiro. A incompetência e a moralidade não levam necessariamente a corrupção, e menos ainda, a determina como uma questão cultural.

Propositalmente, os meios de comunicação comerciais não apontam as reais raízes da corrupção. Mas, fato é, que a corrupção é resultado do interesse privado sob a riqueza construída socialmente e acumulada no Estado. A corrupção é produto da sociedade capitalista.  Diferente do que está disposto no código penal brasileiro, que de forma proposital classifica a corrupção (ativa ou passiva) pela relação do funcionalismo público ao obter ganhos via governos e outros poderes.

Mas ao ampliar o que seria o interesse do privado sob o público, é preciso refletir sobre corrupção e formação do sistema capitalista, das relações de mercado e Estado na história do Brasil. Nos marca o sistema escravista, que durante séculos utilizou à força do trabalho de negros/as e indígenas, para extrair indiscriminadamente matéria prima e produzir mercadoria, garantindo o lucro para famílias que ainda estão presentes no cotidiano político brasileiro. O lucro é a materialização da corrupção enquanto engrenagem, toma do que é produzido pela coletividade e procura trazer o usufruto de uma minoria.

Para entender de fato a corrupção é preciso traze-la à luz da história do Brasil e do diálogo com a economia. Não é por acaso que quando o povo se identificou no poder com o simbolismo de uma mulher e de um nordestino operário, esta imagem precisa ser taxada de corrupta. Se constrói uma narrativa seletiva de que entre a moral e a ausência da competência usurparam o interesse público (eles estão no poder apenas para roubar!). Fica a pergunta: quem realmente ganha ao trazer a corrupção como um problema cultural e não da relação Estado e mercado?

*Leonardo Koury Martins é assistente social, professor e militante da Frente Brasil Popular.

Edição: Elis Almeida