Foram quase 60 anos trabalhando no mesmo ponto. Quem nesse tempo passou na esquina da rua da Bahia com Carijós, no Centro de Belo Horizonte, viu um senhor sentado no seu banquinho de engraxate, aos pés da cadeira alta de quem senta para ser atendido. Seu João Firmo da Silva, de 80 anos, é considerado o engraxate mais antigo da capital mineira.
De lá ele viu a cidade crescer e se desenvolver, distribuindo prosas a quem passava e se dava à conversa. “Eu acho o meu trabalho muito bom. Eu já nasci trabalhando e até perdi minha perna trabalhando, com 24 anos, em uma mineradora. O serviço é uma coisa que eu gosto. Eu levanto todo dia 5h30 ou 6h pra vir pra cá [rua da Bahia]”, disse Seu João ao Brasil de Fato em 2014.
Seu João também teve, certamente, o maior leque de amizades da rua. Alexandra Melo o conhece há 40 anos, quando ela ainda era criança e seu pai engraxava sapato junto com ele. Ela se emociona ao contar: “Ele não era só engraxate, era muito mais. Vigiava a minha filha pra comprar lanche do outro lado da [rua] Bahia e quando eu passava ele falava ‘sua menina passou aqui’”, relembra.
Porém, em meados deste ano o engraxate mais antigo da cidade teve que parar de trabalhar. “No dia que eu vi um rapaz tirando dali a caixinha dele senti um aperto no coração, passou um filme na minha cabeça”, angustia-se Alexandra.
Seu João é rei
A sua partida fez os ânimos se agitarem. “Que aconteceu? Ele não vem mais?”, se perguntavam os vizinhos e comerciantes. E não, Seu João não voltaria mais. A diabetes e a dificuldade de locomoção - que era de ônibus - fizeram Seu João se recolher ao lado da família e deixar de ver diariamente os amigos e conhecidos da rua da Bahia.
Como parte do evento Intervenção 573, no Estacionamento Para Motocicletas, bem em frente ao ponto de engraxar, surgiu a saudade e a homenagem. “Logo demos falta dele. Ficou tempo sem aparecer, justo o trabalhador mais antigo da rua da Bahia”, conta Felipe Gato, um dos organizadores da Intervenção. “Encontramos empecilhos, que sempre existem, mas no final conseguimos as tintas, o espaço, quem fizesse, conseguimos trazer o Seu João e a família. Foi bem legal ver eles emocionados”, conta.
No lugar da caixinha de engraxate nasceu um desenho do grafiteiro Caio Ronim. O rosto enorme, as chuteiras penduradas, porém rei da Rua da Bahia. “Eu estive quase 60 anos ali e pra mim é uma tristeza não poder vir mais. Só tenho a agradecer as pessoas que sempre passaram, às vezes me ajudavam, traziam um suco, um cafezinho. São tudo gente boa”, agradeceu Seu João emocionado. A homenagem foi feita à porta de um comércio, na rua da Bahia 570.
Homenagens a personalidades negras em BH
O grafite entra para a lista das poucas homenagens a personagens negros e à cultura afro-brasileira existentes em Belo Horizonte. Um inventário realizado pela Prefeitura mapeou cerca de 150 monumentos, bustos e esculturas da capital. Entre eles, muitos italianos, espanhóis, portugueses e militares, mas apenas três eram negros.
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Edição: Joana Tavares