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Opinião

Artigo | Crise urbana em tempos de ultraliberalismo

É preciso fazer da crise o próprio motor para a resistência e posterior contra-ofensiva

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
O silêncio de Bolsonaro sobre compromissos e metas para geração de empregos, no curto, no médio e no longo prazo é revelador
O silêncio de Bolsonaro sobre compromissos e metas para geração de empregos, no curto, no médio e no longo prazo é revelador - Foto: Agência Brasil

Moradia, mobilidade, segurança e emprego. Podemos tomar essas questões como o ‘coração’ do urbano, que espalha o sangue para os demais ‘órgãos’ desse corpo febril: saúde, educação, meio ambiente, a questão racial, a feminista, a LGBTI+, os direitos dos idosos, da juventude, dos deficientes, das crianças, dos animais, o acesso à cultura, ao lazer etc.

Se é verdade que muito se avançou com os governos democráticos e populares recentes no Brasil, em termos de processos participativos, políticas públicas estruturantes e voltadas para as maiorias, também é verdade que há muito mais a fazer.

A vitória do capitão da reserva, Jair Bolsonaro, para a presidência da República torna-se – nesse sentido – um elemento paralisante, desorganizador e desestruturador dos avanços citados anteriormente e da própria perspectiva de novas conquistas.

Pelo menos por cima, em termos de estrutura de governo, suas atitudes agridem diretamente as quatro questões destacadas como “o coração” da crise urbana.

A transformação da Caixa Econômica Federal em mero banco comercial é um duro golpe para as demandas de moradias de caráter social e de baixo custo. E sinaliza para a forma e o conteúdo com que ele, Bolsonaro, vai tratar as demandas por moradias.

Mobilidade. Refém de seus compromissos com as máfias do transporte coletivo, o governo federal usará a crise fiscal do Estado como pretexto para paralisar obras necessárias para enfrentar, ainda que de forma limitada, os desafios da mobilidade: falo aqui explicitamente dos metrôs em várias capitais e regiões metropolitanas. Mas não se despreza o problema da mobilidade para as médias e pequenas cidades.

Na segurança, tratada exclusivamente pelo vetor da repressão policial e recrudescimento judicial, sua principal política pública é a flexibilização da Lei 10.826, que trata dos limites e possibilidades para a aquisição e posse de armas de fogo. Seu discurso demagógico sobre a liberação de armas confessa sua impotência para tratar desse elemento da crise urbana e propõe transferir para os próprios cidadãos as responsabilidades por sua segurança pessoal, de seus familiares e patrimonial.

Finalmente, o emprego. O silêncio de sua equipe econômica sobre compromissos e metas para geração de empregos, no curto, no médio e no longo prazo é revelador.

Aproveitando seus cacifes políticos e eleitorais, Bolsonaro e sua equipe fingem não enxergar a crise urbana. Por ignorância ou cumplicidade com a destruição dos avanços que obtivemos nessas áreas, seu triunfo pode ser o primeiro passo para seu fracasso.

A vida dele não vai ser fácil. Primeiro, porque ele nos pressiona a sair da dispersão e da fragmentação de forças. Articulando polos, questões, movimentos e ações que antes até digladiavam entre si e a construir novas formulações para atitudes unitárias dessas várias frentes. Segundo, a truculência e a retórica da repressão às lutas sociais nos impõem, da mesma forma, uma preocupação, que se não era inédita, não ocupava posição de destaque em nossas táticas: a autodefesa dos movimentos e lutadores sociais.

E temos acúmulos para isso. Precisamos de unidade para a retomada da ofensiva. Precisamos nos conectar (em alguns casos reconectar) com os beneficiários de políticas públicas conquistadas não só nos governos Lula e Dilma, mas gestadas até mesmo anteriormente. A cada tentativa de desmonte dessas conquistas, pelo governo federal, nossa reação dependerá muito disso: como os usuários e beneficiários dessas conquistas podem ser articulados?

Já foi dito que o “ar da cidade liberta”. Nesses tempos de acesso a importantes tecnologias de informação, podemos dizer que – há muito – a crise urbana ultrapassou os limites das cidades. Essa crise conurbou-se politica e socialmente, não havendo ‘espaços’ entre campo e a cidade que não se integrem e interajam no processamento das demandas das maiorias.

É preciso, pois, fazer da crise o próprio motor para a resistência e posterior contra-ofensiva.

Neila Batista é assistente social, gestora pública e ex-vereadora em Belo Horizonte. 

Edição: Elis Almeida