“Perdemos espaço na ciência quando deixamos a teoria da evolução entrar nas escolas”, afirmou a ministra Damares Alves. O ministro Marcos Pontes rebateu a colega: “não se deve misturar ciência e religião”. A tréplica veio do pastor Silas Malafaia, que disse que “se a teoria da evolução fosse verdade comprovada, se chamaria lei”.
A surpreendente e atrapalhada polêmica envolvendo a cúpula do governo federal demonstra a que nível preocupante chegou a crise brasileira.
Na ciência, o termo “teoria” possui um significado diferente daquele do dia a dia. Uma teoria científica é algo já bem aceito como verdade a partir dos estudos feitos. Quando o pastor Malafaia usa equivocadamente o termo em contraposição a “lei”, como se uma teoria fosse uma mera “hipótese”, demonstra conhecer muito pouco sobre a linguagem e o método científico.
A evolução biológica é hoje um fato amplamente aceito pela comunidade científica internacional. É embasada por inúmeras evidências, e seu entendimento possibilitou o desenvolvimento de várias áreas. Sua importância é tamanha ao ponto de, em 1973, o biólogo Dobzhansky afirmar que “nada em biologia faz sentido exceto à luz da evolução”.
Em larga medida o desenvolvimento da biotecnologia aplicada a áreas como agricultura e medicina hoje só é possível se aceitarmos que a evolução é real. Se ela não existisse, muito do que comemos ou usamos para nos tratar hoje não existiria.
A evolução biológica ocorre quando há qualquer alteração das características herdáveis dos seres entre gerações. Em outras palavras, dizer que a evolução existe é dizer que a vida se modifica ao longo do tempo. Isso é perfeitamente observável por meio da análise de fósseis, ou de microrganismos, plantas e animais vivos. Mais precisamente, ao conhecermos o DNA e seu funcionamento, foi possível atestar como a evolução biológica ocorre.
A ministra combate a evolução, pois entende que a ideia de que os seres se modificam e que a vida existe na Terra há bilhões de anos contrasta com aquilo que diz sua religião. Assim como o fato de nossa espécie descender de outras.
É possível conservar uma fé ao reinterpretar e ressignificar suas crenças à luz das evidências que a realidade dá. Espera-se isso sobretudo daqueles que ocupam cargos importantes em um Estado laico. A quem não é capaz disso resta se valer do poder para encaixar o mundo em suas verdades.
Um abraço e até a próxima!
Renan Santos é professor de biologia da rede estadual de Minas Gerais.
Edição: Joana Tavares