Eu sou mineiro. Minas Gerais é a minha grande aldeia. Terra de muitos rios, de valiosos rios como o resistente Rio Jequitinhonha, o insistente Rio das Velhas, o misterioso Rio São Francisco, o vasto Rio Doce e o forte Rio Paraopebas. Foi bem assim que conheci esse último em 2011: “cuidado, esse Rio não tá pra brincadeira”; quando tive a oportunidade de passar uma semana bem próximo das suas margens no acampamento 02 de julho do MST, em Betim.
Rio é sinônimo de força e resistência. Tive que aprender isso logo cedo, afinal, sou do Mucuri e acostumei com as inúmeras tentativas de assassinato do Rio Todos os Santos que nos faziam nutrir uma permanente preocupação com a escassez de água, assim como muitos municípios na região. Quando tinha 15 anos, conheci o Rio Mucuri (das suas duas nascentes até à foz na Bahia) e desde então passei a nutrir um sentimento de profunda gratidão às águas que nos oferecem a vida. E o que nós oferecemos em troca?
Nesta nossa grande aldeia, de tantos rios cruzando as “gerais” e de tantas “minas”, duas riquezas que, sob controle popular, poderiam caminhar juntas pra assegurar melhores condições de vida para povo, protagonizam uma terrível competição para poderem existir. Diante deste modelo predatório, potencializado com o neoliberalismo, para extrair minério é necessário destruir rios caudalosos, seus afluentes e suas nascentes. É Minas contribuindo para manter viva a nossa “vocação nacional”: produzir para fora, gerar riqueza pra quem não vive no nosso país e, óbvio, se vivessem também não teriam nenhum compromisso com a construção de um projeto soberano e popular para o uso das nossas riquezas minerais. A nossa elite, débil e antinacional, não tem nenhuma proposta para assegurar nossas vidas e os nossos rios. Do mesmo modo que nunca portou um projeto de desenvolvimento soberano para nosso país. Tarefa que cabe ao povo brasileiro, trabalhadores e trabalhadoras. Precisamos tomar as rédeas da burguesia e buscar dotar de sentido a nossa existência enquanto nação.
Os crimes de Mariana e Brumadinho são expressão deste modelo predatório no qual o lucro das multinacionais importa mais do que a vida de homens e mulheres, de animais e dos nossos mananciais. Os crimes de Mariana e Brumadinho solapam as vidas destes Rios da nossa aldeia: o Rio Doce, memória da minha infância, das viagens de trem e das visitas a Governador Valadares e o Rio Paraopebas, memória que resgato da resistência daqueles/as que lutam pela terra, para nela viver e produzir de maneira sustentável e respeitosa.
Nós, mineiros e mineiras que estamos acostumados/as com “oitenta por cento de ferro nas almas”, como outrora disse Drummond, não nos calaremos. Em solidariedade aos trabalhadores/as tombados/as em mais um episódio de barbárie que nos dilacera há cerca de 300 anos. Resistiremos e lutaremos por soberania popular na mineração e por um projeto energético popular para o Brasil.
Leonardo Nogueira é militante do Levante Popular da Juventude.
Edição: Joana Tavares