Era para ser um sonho, uma casinha aconchegante, cercada por muito verde num vilarejo pacato. O plano de Ricardo e Rejane de Moraes era aproveitar os anos de aposentadoria no sítio comprado pelo casal, com o salário poupado ao longo de muitos anos de trabalho. Mas, com a chegada da mineração, o que era sonho virou um eterno pesadelo.
Hoje, eles vivem literalmente em uma encruzilhada de terror: nos fundos do quintal, passa o mar de rejeitos da barragem da Vale, que se rompeu no último dia 25. Em frente ao portão da casa, fica uma mina de exploração, e a vizinha do lado é outra barragem de rejeitos que está sob risco de rompimento.
Tudo começou em 2008, quando a Mineradora Ibirité LTDA - MIB passou a explorar minério a menos de 100 metros do sítio do casal. Desde então, o trânsito de veículos pesados, a poeira incessante e os estrondos ensurdecedores das explosões na mina são constantes. Rejane de Moraes denuncia que os impactos causados às famílias nunca foram levados em conta. “Nos estudos para abrir a mina eles não consideraram os moradores num raio de 2 km de influência direta do empreendimento. Consideraram a fauna, a flora, mas os seres humanos, não”.
De acordo com os moradores, até 2017 a MIB detinha autorização para abrir 400 furos na região, podendo utilizar 11 quilos de dinamite em cada uma das perfurações, o que equivale a um montante de 4.400 kg de explosivos. Para se ter uma ideia da dimensão desses impactos, o total de dinamite liberado para a mineradora é 35 vezes maior do que o empregado para implodir a alça do viaduto Batalha dos Guararapes, em Belo Horizonte em 2014. E os impactos das explosões saltam aos olhos.
A casa onde vive o casal está com o telhado comprometido, a estrutura foi reforçada com estacas e cabos de aço. Além desse prejuízo, a fossa do imóvel também foi corrompida, as criações existentes no sítio morreram por causa dos abalos e as frutas que antes eram colhidas no quintal agora estão sempre envoltas em uma camada de poeira. Também a saúde dos idosos, após uma década de conflito com a MIB, está desgastada física e emocionalmente.
A queda de braço
A briga judicial entre os moradores e a mineradora se arrasta desde 2012 e conta com um processo judicial, duas ações públicas -- uma protocolada pelo Ministério Público e outra pela Defensoria --, mais de 60 denúncias em órgãos ambientais das esferas municipal e estadual e 26 boletins de ocorrência. O casal também fez denúncias em dois vídeos produzidos pelos moradores que estão na internet.
As tentativas de silenciamento de Rejane e Ricardo também são inúmeras. O casal já teve o imóvel invadido. Certa vez o sítio foi atacado por um incêndio inexplicável que atingiu o local durante três dias, além das ameaças constantes dirigidas aos moradores. Rejane conta que uma vez o marido chegou a ouvir “Cuidado, você pode estar passando na estrada e um caminhão pode ficar desgovernado e passar por cima”. O alívio para o medo veio em 2017 quando eles entraram para o Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos. Desde então, recebem acompanhamento do órgão que realiza visitas constantes aos moradores.
Novamente negligenciados
Em maio de 2018 a MIB conseguiu junto ao Conselho Estadual de Política Ambiental - Copam uma autorização para expandir a mina. Novamente, os impactos causados a Rejane e Ricardo e as denúncias dos moradores foram negligenciados. Com o aval, a exploração da mineradora saltou de 1,5 milhão de toneladas por ano para 2,4 milhões de toneladas por ano. Em consequência, o volume de rejeitos também aumentou. Agora, eles estão sendo depositados a 200 metros da casa dos idosos.
A informação consta na própria licença concedida à mineradora. O documento afirma ainda que “a expansão da lavra, em relação à residência do Sr. Ricardo, será significativa [...] sendo assim, os impactos de poeira, ruídos, vibrações e outros incômodos serão significativos e tendem a se intensificar”. No documento a mineradora declara que a propriedade de Rejane e Ricardo é a única da região que ainda não foi adquirida pelo empreendimento e afirma que a pilha de rejeitos “representa um risco físico para a residência do Sr. Ricardo, em virtude de sua posição topograficamente acima da mesma”. Ainda assim, o pedido de ampliação foi deferido pelo Superintendente Regional de Meio Ambiente da Central Metropolitana, Hidelbrando Canabrava Rodrigues Neto, em maio de 2018. A nova licença tem validade de 10 anos.
Apesar de constar no licenciamento que os rejeitos seriam despejados em pilhas (método em que a água é escoada e somente o material sólido é armazenado), é possível perceber um grande volume de água na região. Imagens aéreas feitas pelo casal demonstram que o local virou uma barragem com água e rejeitos e que a estrutura apresenta fissuras.
A exploração da mina está temporariamente paralisada por causa de um decreto do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. A ordem foi expedida pela juíza Perla Saliba de Brito, quatro dias após o rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão. Em 2017, ela também determinou a suspensão das atividades da mineradora. A alegação para a paralisação era de que a quebra de rochas por explosão causava grandes vibrações que poderiam trazer danos às estruturas da barragem de rejeitos.
E o futuro?
“Olha, eu não sei te dizer, sinceramente. A gente está num estado de choque, não sabemos o que vai acontecer. Estamos perdidos. A nossa vida inteira está investida aqui e agora virou isso aí”. O lamento de Rejane, sobre a incerteza do rumo de sua vida, é interrompido pelo barulho dos helicópteros que a todo instante cruzam o céu da casa.
O temor não é só de Rejane e Ricardo: o complexo minerário da MIB está apenas a 1,5 km de distância do centro de Córrego do Feijão. É ainda mais próximo do que o local onde era a barragem da mina da Vale, que devastou o distrito em janeiro. “Está todo mundo com muito medo do rompimento dessas barragens da MIB porque além de estarem a 135 metros da minha casa, os rejeitos também podem chegar a Córrego do Feijão. Estamos apavorados”, desabafa a moradora.
:: Acompanhe a cobertura do Brasil de Fato sobre os desdobramentos do crime de Brumadinho (MG) ::
Edição: Elis Almeida