A cada dia, o governo que assumiu em janeiro surpreende a sociedade brasileira pelo desconhecimento da realidade e desvirtuamento das funções a desempenhar. Tendo como obsessão encontrar ‘um inimigo interno’, agentes do governo criam situações que constrangem membros de suas próprias instituições.
Desta vez, matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo no domingo (10) diz respeito a pretensos documentos que teriam circulado em Brasília, sobre o próximo Sínodo que reunirá bispos de todos os continentes, ainda neste ano e cujo tema central é a Amazônia. Essas informações teriam sido coletadas por funcionários da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN).
Segundo o que foi divulgado, “militares do GSI avaliaram que setores da Igreja (...) pretenderiam aproveitar o Sínodo para criticar o governo Bolsonaro”. Na mesma matéria, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional teria dito que “Achamos que isso é interferência em assunto interno do Brasil”.
Para começar, é preciso lembrar que os “sínodos” são reuniões dos bispos de todo o mundo, com o Papa, instituídas por Paulo VI, em 1965. Essas reuniões acontecem com frequência e têm como temas as urgências da sociedade. O último, realizado em outubro de 2018, foi o Sínodo dos Jovens, o de 2014, foi o da Família.
O Documento Preparatório do Sínodo para a Amazônia foi aprovado pelo Vaticano em abril de 2018. Dos treze integrantes que auxiliaram na elaboração do Documento Preparatório, três são brasileiros e membros da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil). O Documento base foi lançado em Brasília, em junho do ano passado.
Esta é a prova concreta de que o tema em pauta nada tinha a ver com o resultado das eleições. Em abril de 2018, quando o Vaticano aprovou o documento do Sínodo, nenhum partido havia realizado convenção e definido candidaturas. O PSL oficializou a candidatura de Bolsonaro em 22 de julho. Logo, se verdadeira, a história de que a ABIN teria “descoberto” essa “ameaça” à soberania nacional o teria feito com um ano de atraso.
O mais importante a destacar é que serviços de inteligência existentes na maioria dos países têm como centro de suas preocupações a defesa dos interesses nacionais e da salvaguarda da soberania. No Brasil, é fato, em muitas ocasiões eles foram desvirtuados e se voltaram contra os próprios brasileiros, como de triste memória o fez o Serviço Nacional de Inteligência - SNI.
A extinção do SNI e a criação do Sistema Brasileiro de Informações, juntamente com a Agência Brasileira de Inteligência, em dezembro de 1999, foram fruto das mobilizações democráticas que sucederam o fim da ditadura. Desde então, preocupados com o desvirtuamento os legisladores que aprovaram a Lei 9.883/99 já previram, em seu artigo 6º, “O controle e fiscalização externos da atividade de Inteligência serão exercidos pelo Poder Legislativo na forma a ser estabelecida em ato do Congresso Nacional”.
É hora de a Comissão de Controle da Atividade de Inteligência intensificar sua ação de “fiscalização e controle externos das atividades de Inteligência”, conforme o estabelecido na legislação em vigor, na defesa do Estado Democrático de Direito.
A pauta do próximo Sínodo sobre a Amazônia, sem dúvida tem muita relevância. E não pode ser entendida como ameaça sobre nossa soberania. Cabe ao país administrar e discutir a Amazônia brasileira, sua população, suas riquezas, sua biodiversidade. Mas existem outras partes da Amazônia em países andinos que têm também suas particularidades. Democracia, desenvolvimento, igualdade e soberania são o desafio da região.
Jô Moraes é membro do Comitê Central do PCdoB, foi deputada federal e presidente da Comissão de Controle da Atividade de Inteligência do Congresso Nacional.
Edição: Elis Almeida