No dia 10 de janeiro os olhos do mundo se voltaram mais uma vez para a Venezuela. O presidente eleito Nicolas Maduro assumiu neste dia o seu segundo mandato como presidente da república. E como tem sido recorrente, o consorcio dos meios de comunicação comerciais emitiram suas opiniões com o objetivo de manipular e influenciar o comportamento e as emoções das pessoas. Buscam intensificar a guerra midiática, política, econômica e ideológica contra o chavismo, que já dura quase 20 anos.
Tendo em vista o bloqueio do monopólio midiático brasileiro é importante resgatar os avanços conquistados no país a partir da vitória eleitoral de 1998 que conduziu Hugo Chávez ao poder. Os meios de comunicação no país buscam desvincular o Brasil do pensamento político latino-americano e invisibilizar os interesses em jogo no país vizinho.
É preciso compreender o significado do que é o “chavismo” e quais foram algumas das principais contribuições dessa construção política latino-americana e original.
A Venezuela antes de Chavez
No período histórico anterior ao chavismo, conhecido como “Pacto de Punto Fijo” (1958 a 1989), a Venezuela esteve subordinada aos interesses dos EUA que foi o seu maior parceiro comercial durante o tempo em que o pacto esteve em vigor. Por mais de três décadas a política venezuelana esteve marcada pelo modus operandi da oligarquia local, subordinada por interesses de elites externas. Esse período foi caracterizado por uma intensa corrupção, exploração, desigualdade social, demagogia, dependência externa e abuso de poder.
A revolta popular conhecida como “Caracazo” ou “Sacudón” marcou a derrota do Pacto de Punto Fijo, dando início a um novo momento político que resultou na vitória eleitoral de Hugo Chávez em 1998. O “Sacudón” foi a reação do povo às injustiças provocadas pelo modelo político e econômico neoliberal implementado pelo pacto de Punto Fijo. Resultado das insatisfações e do sufocamento extremo vivenciado pelo povo venezuelano. As consequências sociais do neoliberalismo puntofijista levou a Venezuela a um quadro de crise humanitária onde o desemprego chegou a atingir 30% da população, mais de 3,5 milhões de crianças viviam em situação de pobreza, 83% da população não era atendida por serviços sociais básicos, 5% do empresariado concentrava 70% da produção do país, 30% da população vivia em estado de pobreza absoluta e 70% das pessoas viviam abaixo da linha da pobreza.
O legado político e filosófico do chavismo
Segundo o jornalista e sociólogo Ignacio Ramonet, autor do livro “Minha primeira vida” que retrata a vida de Hugo Chávez desde o seu nascimento até a sua primeira vitória eleitoral em 1998, o chavismo é o encontro de vários caminhos abertos pelos libertadores e várias buscas iniciadas por muitos sonhadores de um mundo socialmente mais justo.
O pensamento de Hugo Chávez busca valorizar o legado histórico da própria Venezuela, no sentido de se implementar uma alternativa política latino-americana. O ex presidente conecta em sua formulação o presente e o passado para orientar à luta popular venezuelana e latino-americana. Chávez faz uma releitura da historia venezuelana, por meio de uma filosofia política chamada de Arvore das três raízes que resgata o pensamento e a ação de três grandes revolucionários venezuelanos: Simon Rodriguez, Simon Bolívar e Ezequiel Zamora.
Simon Rodriguez foi um grande pensador venezuelano e latino-americano, responsável por elaborar um sistema de pensamento também conhecido como robinsoniano. O objetivo de sua atividade intelectual foi contribuir com a libertação dos povos submetidos pelo jugo do império espanhol e também a integração desses povos. A contribuição fundamental de Rodriguez foi no campo da educação criando um modelo de republica de homens e mulheres livres e verdadeiramente cidadãos, com participação ativa nos processos de transformação política.
Simon Bolívar, conhecido também como o libertador, é a raiz principal entre as três raízes. Nascido em Caracas, capital da Venezuela, Bolívar forjou um exército que percorreu o continente latino-americano e libertou seis países do domínio colonizador. Além de ser um exímio estrategista militar, Simon Bolívar foi um importante pensador e estadista, deixando um legado de pensamento e prática revolucionários, baseado na ideia da luta pela independência, da soberania nacional e da integração latinoamericana.
Ezequiel Zamora, o “General do povo soberano”, foi um personagem histórico demonizado durante muitos anos na Venezuela pois seguramente foi um dos piores inimigos da oligarquia venezuelana. Zamora foi quem retomou as bandeiras de luta de Simon Bolívar, acrescentando ainda a luta pela distribuição da terra e a dignificação dos campesinos. O exército popular comandado por Zamora forjou a concepção de união cívico-militar, base estruturante do pensamento e da pratica política chavista.
O legado da justiça social chavista
Ao longo de quase 20 anos de governo – primeiro com Chávez e agora com Nicolás Maduro – o chavismo sustenta 23 vitórias eleitorais, sendo derrotado em apenas duas ocasiões. Esse número expressivo de vitórias é justificado pelas transformações políticas, econômicas e sociais proporcionadas pelos governos chavistas, sendo que os indicadores socioeconômicos da Venezuela melhoraram exponencialmente durante esse período:
- O Gini – índice utilizado pelo Banco Mundial para medir a desigualdade social – passou de 0,498 para 0,394 (quanto mais próximo de zero melhor), sendo que o índice brasileiro ficou em 0,520 (3º pior da América Latina) se comparado no mesmo período.
- O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) – medida utilizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) para classificar os países pelo seu grau de “desenvolvimento humano” – da Venezuela ficou na colocação 71º entre 188 países, a frente inclusive do Brasil e da média dos índices dos países latino-americanos.
- O desemprego caiu de 14% em 1999 para 5,5% em 2014.
- A taxa de analfabetismo foi reduzida de 9,1% (antes do chavismo) para 4,7% em 2015.
- A expectativa de vida aumentou de 72 anos em 1996 para 75 anos em 2014.
- A pobreza foi reduzida de 49,4% para 26,4% em 2010.
- A Venezuela passou a ser o 2º país na América Latina com maior proporção de estudantes universitários, cerca de 10,5 milhões ou 34% da população, ficando atrás apenas de Cuba.
A continuidade do chavismo no governo Maduro
A morte de Hugo Chavez continua sendo vista como um mistério a ser desvendado. Na Venezuela há um nítido entendimento dentro das forças sociais chavistas de que Chávez não morreu, mas foi morto por um câncer fatal que teria sido induzido e articulado por seus inimigos políticos.
Seja como for, coube a Nicolas Maduro, indicado pelo próprio Chávez como seu sucessor, assumir a responsabilidade do legado histórico da Revolução Bolivariana. Desde que assumiu, Maduro tem travado uma incansável luta de defesa desse legado, cometendo acertos e erros.
As várias dimensões dessa guerra, seja ela econômica, cultural ou comunicacional, devem ser analisadas com profundidade para compreender o que acontece de fato na Venezuela. É necessário compreender os interesses que estão em jogo a nível mundial e regional. É justamente um conjunto de interesses políticos, sociais e econômicos que estão em disputa não somente na Venezuela mas em toda a América Latina, território que representa nos dias de hoje a maior fonte energética do nosso planeta.
As reservas de petróleo venezuelanas são as maiores do mundo. O país ainda possui a quarta maior reserva de ouro, a sexta maior reserva de gás e a nona maior reserva de água doce. Com isso já é possível imaginar o que está em jogo.
O grande desafio de Nicolas Maduro tem sido preservar toda essa riqueza que é capaz de viabilizar a soberania, a autonomia e a autodeterminação de fato, não só da Venezuela mas de toda a América Latina, juntamente com os exemplos de Cuba, Bolívia, Nicarágua e agora México que ainda resistem.
No entanto, uma guerra de quarta geração, aliada a dificuldades econômicas históricas (economia importadora e dependência da exportação de petróleo) e a contradições no governo e no bloco de poder tem deixado a situação do país delicada.
Apesar da crise, o chavismo conserva duas características fundamentais: a sua capacidade de pensar e agir estrategicamente e sua capacidade de identificar e conhecer o seu principal inimigo, o imperialismo norte-americano. Está claro para o governo venezuelano e também para boa parte da sociedade que a contradição principal é a luta império x nação. Diante desse fato, o chavismo dirige seus esforços no enfrentamento ao inimigo e sua forma de luta. Não é à toa que a Venezuela segue resistindo enquanto vários governos progressistas foram derrubados no continente.
Edição: Elis Almeida