A história da educação brasileira é uma história de luta entre, de um lado, quem defende a oferta pública de ensino, e de outro a elite atrasada e a burguesia. Nessa história a oligarquia sempre buscou uma relação entre o público e o privado que favorecesse a transferência de recursos do fundo público para o setor privado. Essa elite formou um sistema educacional duplo, e sempre condicionou o sistema de ensino ao desenvolvimento capitalista dependente. Neste processo o discurso arcaico patriarcal e o modernizante, baseado na teoria do capital humano, se articularam, e continuam se articulando no sentido da modernização conservadora.
Durante os governos Lula e Dilma houve um avanço significativo na oferta educacional por parte do estado. A ampliação da rede pública de ensino, por meio da criação de dezenas de novas universidades e Institutos Técnicos Federais, foi sem precedentes na história. A inclusão por meio da conquista das cotas nas universidades federais democratizou o acesso. Fazendo com que mais de 60% das vagas hoje sejam preenchidas por estudantes oriundos de escolas públicas. Dado que desmente o atual discurso privatizante de que apenas ricos estudam em universidades públicas. Mas, como aconteceu em outros momentos da história, a necessidade de atender a demanda social de educação, sem realizar transformações estruturais no estado brasileiro, criou contradições no processo, privilegiando o setor privado.
A Organização Mundial do Comércio (OMC) definiu a educação como serviço comercializável. E o Banco Mundial (BM) vem desde o fim da década de 90 investindo nas parcerias público-privadas como estratégia de privatização. Utilizando principalmente o seu braço financeiro, a Corporação Financeira Internacional (CFI). Sendo que 85% das parcerias público-privadas com participação da CFI na América Latina foram realizadas no Brasil.
Diversas organizações da sociedade civil (think tank’s) defendem a valorização do privado sobre o público na educação brasileira. Com destaque para o “Todos pela Educação”, “Movimento pela Base” e “Movimento Brasil Competitivo”. Defendem reformas na educação no sentido da introdução da gestão privada no sistema público e com forte apelo à ideologia liberal do capital humano. Essa ideologia vem conquistando espaço na elaboração das políticas públicas desde o governo FHC, com amplo domínio da política educacional no governo Dilma Rousseff. São os principais responsáveis pela elaboração da BNCC do ensino fundamental. Que ao definir o conteúdo do ensino em mais de 1400 códigos, distribuídos em habilidades e competências, acaba com o aprendizado de conceitos, engessa a liberdade pedagógica e padroniza o ensino para comercialização de materiais didáticos apostilados.
Por sua vez, a reforma do ensino médio atende entre outros o interesse das instituições privadas de ensino profissionalizante, que receberam recursos públicos na efetivação de parcerias para oferta deste ensino. As reformas de forma geral aceleram a formação dos estudantes da classe trabalhadora e aumentarão a velocidade de reposição do exército industrial de reserva.
As think tanks educacionais atuaram a todo momento na relação com o Banco Mundial, adequando as diretrizes do BM a realidade nacional. Com o golpe de 2016, assumem totalmente os rumos da educação em aliança com as corporações do ensino superior, os setores conservadores arcaicos da sociedade e os militares.
Assim, o avanço privatizante está vinculado também à ideologia patriarcal, utilizada como argumento para o exercício da liberdade da família de escolher a educação dos filhos, que retoma a lógica argumentativa do substitutivo Lacerda na disputa pela LDB de 1961. Escola Sem Partido e homeschooling são formas de recolocar o silogismo do golpista Carlos Lacerda: se é direito da família educar os filhos, ela deve ter liberdade de escolha do tipo de educação, e para isso deve haver um mercado educacional sem interferência do Estado. O movimento escola sem partido cumpre o papel de desmoralizar a escola pública e a figura de seu servidor público, os educadores e educadoras. Buscam destruir a escola pública para favorecer monopólios privados educacionais.
Ao mesmo tempo a proposta de militarização vem se ampliando. O discurso de combate a violência, baseado mais na espetacularização de casos específicos, do que em dados estatísticos, é o estandarte usado pelas policias militares e por partidos da extrema direita que hoje ocupam o centro do poder. Formam uma escola excludente que não aceita a diferença e expulsa os estudantes que não se adequam a disciplina militar. Um modelo que se sustenta apenas ao ter um financiamento superior às demais escolas. Mas que é impossível de ser universalizado, tornando um injusto padrão para a grande maioria das escolas que seguem sucateadas.
A ofensiva na educação faz parte da ofensiva mais ampla de domínio do capital financeiro internacional sobre o fundo público. E sobre a formação da classe trabalhadora, atendendo aos interesses de uma imensa indústria de serviços que aposta na terceirização como forma de ampliar a acumulação. A ação de organismos internacionais do imperialismo norte americano, coadunados com a burguesia nacional, dependente e subserviente, que dirigem o processo, tem por objetivo a destruição das garantias de direitos da Constituição de 1988. Adequando definitivamente o Estado brasileiro ao neoliberalismo.
É preciso recolocar no centro da luta pela educação o seu caráter de direito universal, a obrigatoriedade da oferta pelo estado e a vinculação orçamentária, ameaçada pelos efeitos da emenda constitucional 95, que congelou os gastos sociais por 20 anos.
É preciso retomar uma unidade, como a realizada na constituinte de 88 com o Fórum em Defesa da Escola Pública. A palavra de ordem é dinheiro público, para escola pública!
*Fábio Garrido é professor da rede estadual e diretor estadual do Sind-ute/MG.
Edição: Elis Almeida